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O presidente russo, Vladimir Putin, utilizou seu tradicional pronunciamento de fim de ano, em 19 de dezembro, para transmitir uma mensagem de contradições calculadas: negou qualquer intenção beligerante contra a Europa, ao mesmo tempo em que reafirmou com rigor os objetivos de guerra na Ucrânia e advertiu o Ocidente sobre as consequências de um confronto direto. O evento, que durou mais de quatro horas e foi descrito por críticos como um "circo" cuidadosamente orquestrado, serve como um termômetro da retórica do Kremlin na virada do ano.
Em tom que classificou as preocupações europeias como "histeria", Putin foi enfático ao declarar: "Não estamos planejando ir à guerra contra a Europa. Já disse isso cem vezes. Mas se a Europa quiser travar uma guerra contra nós e de repente começar uma guerra conosco, estamos prontos". O discurso foi marcado ainda por um recado direto: "Não haverá mais guerras se o Ocidente não nos enganar novamente".
Analistas apontam que o período natalino tornou-se uma ferramenta política estratégica para líderes ao redor do mundo, e Putin é um exemplo claro. Enquanto grande parte do Ocidente celebra o Natal em 25 de dezembro, a Rússia, seguindo o calendário da Igreja Ortodoxa, marca a data em 7 de janeiro. O Kremlin explora essa diferença para posicionar a Rússia como guardiã dos "valores tradicionais" — como família, fé e patriotismo — em oposição à "decadência moral" que atribui às sociedades ocidentais. Desde o início da invasão da Ucrânia, essa narrativa foi ampliada para incluir temas de sacrifício e heroísmo, associando a data religiosa ao esforço de guerra.
Neste ano, o evento assumiu a forma de uma longa sessão de perguntas e respostas. Jornalistas e cidadãos previamente selecionados participaram, muitos exibindo cartazes para chamar a atenção do presidente. A encenação, no entanto, não escondeu o conteúdo de firmeza bélica. Putin aproveitou a ocasião para comemorar ganhos territoriais recentes, afirmando que a cidade de Krasnoarmeysk estava "totalmente nas mãos do exército russo" e servia agora como uma importante base para avanços futuros. Sobre as negociações de paz, ele acusou os europeus de "sabotar os esforços" dos Estados Unidos e de estarem "do lado da guerra".
As declarações de paz forçada de Putin ocorrem em um momento de intensificação da preparação militar russa e de crescente tensão com a Europa. Dados apresentados pelo vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitry Medvedev, indicam que quase 417 mil pessoas assinaram contrato para o serviço militar em 2025, com mais 36 mil se juntando como voluntários para a chamada "operação militar especial".
Além do recrutamento, o Kremlin deu passos concretos para reforçar suas forças:
Esta postura é vista com extrema preocupação por nações europeias. Um dia antes do pronunciamento de Putin, oito países da UE que fazem fronteira com a Rússia assinaram uma declaração conjunta descrevendo Moscou como "a ameaça mais significativa, direta e de longo prazo" à segurança europeia, exigindo uma priorização urgente das capacidades defensivas. Em contraponto, Putin e seus ministros invertem a acusação, alegando que é a Otan que se prepara para um conflito, citando o aumento de seu orçamento militar.
Em meio à retórica de força, uma constante no discurso do Kremlin é a ausência total de qualquer autocrítica ou reconhecimento de responsabilidade. Esta característica foi recentemente explorada pelo escritor russo Viktor Erofeev, que em seu novo livro "A Nova Barbárie" analisa a recusa russa em admitir culpa como um fenômeno cultural profundo. Ele usa a metáfora de uma xícara quebrada: "Minha avó nunca disse: 'Quebrei uma xícara'. Ela dizia: 'A xícara quebrou'". Para Erofeev, "descarregar sobre os outros as próprias culpas é um esporte nacional russo".
Essa análise encontra eco na postura oficial. Putin frequentemente repete que o colapso da União Soviética foi a "maior tragédia" do século, sem atribuir causas ou responsabilidades internas. Na visão do escritor, a Rússia de hoje teria inaugurado uma era de barbárie à qual outras nações estariam agora se adaptando. Curiosamente, em um sinal da política interna, o Kremlin anunciou que a tradicional "Mensagem à Nação" de Putin, dirigida à Assembleia Federal, não ocorrerá em 2025, sendo adiada para uma data indeterminada.
Enquanto o mundo ocidental encerra o ano, o pronunciamento de Natal de Vladimir Putin deixa claro que 2026 começará com a mesma combinação de diplomacia coercitiva e preparação militar. A mensagem final é que a guerra na Ucrânia continuará, e qualquer paz futura será ditada nos termos de Moscou, com um aviso subjacente de que a escalada para um conflito mais amplo permanece uma possibilidade real se o "Ocidente nos enganar novamente".
Com informações de: Expresso, New Day News, Kremlin.ru, Folha de S.Paulo, G1, REGNUM, Consultant.ru, Vatican News ■