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O poder das leis nacionais em alto-mar: uma fronteira jurídica em disputa
Da Venezuela ao Ártico, países usam legislações próprias para contestar a ordem marítima global, criando tensões entre soberania e direito internacional
Analise
Foto: https://admin.cnnbrasil.com.br/wp-content/uploads/sites/12/2025/12/Video-divulgado-pelos-EUA-mostra-apreensao-de-segundo-petroleiro-na-costa-da-Venezuela-2.png?w=1200&h=1200&crop=1
■   Bernardo Cahue, 24/12/2025

Em meio à tensão com os Estados Unidos, a Venezuela aprovou uma lei que prevê penas de 15 a 20 anos de prisão para quem apoiar ações que classifica como pirataria ou bloqueio naval contra o país. O caso ilustra um fenômeno geopolítico crucial: a tentativa de nações de projetar suas leis domésticas sobre águas internacionais, uma zona tradicionalmente regida por acordos multilaterais. Mas até onde pode ir essa pretensão?

A Regra do Jogo: A CNUDM e os Limites da Soberania

A base do direito marítimo moderno é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Ela define com clareza os espaços oceânicos: mar territorial (até 12 milhas náuticas, com soberania plena), Zona Econômica Exclusiva - ZEE (até 200 milhas, com direitos sobre recursos) e, finalmente, o alto-mar.

No alto-mar, vigora o princípio da liberdade (de navegação, pesca, pesquisa) e a jurisdição primária é do "Estado de bandeira", ou seja, o país onde o navio está registrado. Leis nacionais que busquem regular atividades além desses limites, sem amparo em tratados, colidem frontalmente com este princípio e são consideradas ilegítimas pela comunidade internacional.

Casos que Testam os Limites: Da Aplicação à Imposição

Vários países, porém, têm expandido sua interpretação jurídica para além do que a CNUDM prevê, usando diferentes justificativas:

  • Venezuela e a Defesa Ativa: A nova lei venezuelana é uma resposta direta a apreensões de navios por forças dos EUA no Caribe. Ela não só pune ações, mas também quem as "promover ou apoiar", visando claramente dissuadir adversários internos e externos.
  • China e o "Fato Consumado": Em junho de 2024, a China outorgou novos poderes à sua Guarda Costeira, permitindo deter por até 60 dias estrangeiros suspeitos de violar regras de fronteira em águas disputadas do Mar do Sul da China. A medida, rejeitada por vizinhos como as Filipinas, busca criar uma normalidade jurídica chinesa em áreas cuja soberania é internacionalmente contestada.
  • EUA e a Jurisdição Extraterritorial: Os Estados Unidos possuem leis, como a Maritime Drug Law Enforcement Act (MDLEA), que autorizam a apreensão de embarcações envolvidas em tráfico de drogas em alto-mar, mesmo que não sejam registradas nos EUA. A ação se baseia em acordos bilaterais e na designação de certas atividades como ameaças globais.
  • Rússia e o Controle Estratégico: Na Rota do Mar do Norte, no Ártico, a Rússia passou a exigir notificação prévia de 45 dias e um piloto russo a bordo de navios militares estrangeiros. A regra, aplicada a uma rota internacional, é justificada por Moscou como medida de segurança, mas efetivamente estende seu controle operacional sobre uma via marítima crucial.

As Consequências: Um Mar de Incertezas

A proliferação dessas leis nacionais agressivas gera um cenário perigoso e fragmentado:

  1. Erosão da Ordem Baseada em Regras: Cada ação unilateral enfraquece a autoridade da CNUDM e incentiva outros países a agirem da mesma forma, levando a uma "lei do mais forte" nos oceanos.
  2. Risco de Conflito: Incidentes como apreensões de navios, detenções de tripulantes ou confrontos entre guardas costeiras podem escalar rapidamente para crises diplomáticas ou militares, como já ocorre entre China e Filipinas.
  3. Insegurança Jurídica: Empresas de navegação, pesca e energia enfrentam um labirinto de regras conflitantes, onde uma ação legal em um país pode ser considerada criminosa em outro, aumentando custos e riscos.

Conclusão: Uma Fronteira Fluida

As leis nacionais são cada vez mais usadas como instrumentos de poder para alterar a ordem em águas internacionais, seja para proteger interesses, como no caso venezuelano, seja para expandir influência, como fazem China e Rússia. No entanto, sua eficácia e legitimidade são limitadas pelo arcabouço do direito internacional. A tensão entre a soberania nacional e a governança global dos oceanos define uma das fronteiras jurídicas e geopolíticas mais críticas do nosso tempo. Enquanto não houver um mecanismo eficaz para resolver essas disputas, os mares continuarão sendo palco de uma silenciosa – e por vezes perigosa – batalha legal.

Com informações de: Infomoney, Wikipédia, A Referência, Leppard Law, Jornal da Economia do Mar ■