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Reação desesperada: como o avanço tecnológico chinês provoca movimentos de Trump
Em um cenário de ascensão tecnomilitar chinesa e realinhamento geopolítico, medidas como a nova "Doutrina Monroe" refletem uma tentativa norte-americana de conter uma erosão estrutural de poder, enquanto o mundo testemunha o embate entre dois modelos de influência
Artigo
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■   Bernardo Cahue, 13/12/2025

A declaração de uma nova "Doutrina Monroe" pelos Estados Unidos, com foco explícito em excluir potências extra-hemisféricas da América Latina, não pode ser compreendida como um mero retorno à política do século XIX. Ela é, antes, um sintoma de uma profunda ansiedade estratégica perante a ascensão tecnológica, industrial e militar da China, que ameaça os pilares tradicionais do poder global norte-americano. Esta análise crítica examina como essa medida se conecta a um quadro mais amplo: a corrida tecnológica onde os EUA percebem desvantagens, os investimentos chineses que reconfiguram a América Latina, e as propostas fragmentadas de uma nova governança mundial, como um hipotético "G5", que sinalizam a falência dos fóruns multilaterais estabelecidos.

A Corrida Tecnológica e o "Desespero" Estratégico Norte-Americano

A análise de especialistas como Lael Brainard, ex-membro do Federal Reserve, aponta que os Estados Unidos têm aplicado uma estratégia contraproducente em relação à China. Políticas agressivas de contenção, como tarifas comerciais generalizadas e restrições tecnológicas, teriam elevado custos internos, prejudicado a indústria nacional e fragilizado alianças tradicionais. Enquanto isso, a China executou um planejamento de longo prazo, utilizando seu acesso ao comércio global para construir um modelo de industrialização estatal dominante em setores-chave como manufatura avançada, energia limpa, baterias e tecnologia digital. O controle chinês sobre até 90% da produção global de terras raras – elementos vitais para indústrias de alta tecnologia e defesa – simboliza essa virada. A China já planeja usar esse controle como ferramenta geoeconômica, criando um sistema para validar e restringir o acesso de empresas vinculadas ao exército dos EUA a esses recursos críticos. Esta dependência estratégica gera uma vulnerabilidade palpável em Washington.

A Revolução Tecnobélica Chinesa e a Redefinição da Guerra

O avanço chinês não é apenas econômico; é uma transformação militar profunda baseada na digitalização. A parada militar pelo 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial foi uma demonstração poderosa dessa evolução, exibindo um arsenal que aponta para o futuro da guerra. Destaques incluem:

  • Armas hipersônicas: Mísseis capazes de viajar a mais de cinco vezes a velocidade do som, desafiando os sistemas atuais de defesa.
  • Sistemas de energia dirigida: Como o LY-1, um laser de alta potência projetado para neutralizar enxames de drones.
  • Forças não-tripuladas: De "lobos robóticos" e veículos blindados de controle remoto a submarinos drone extra-grandes (XLUUVs) armados com torpedos.
  • Domínio do espectro digital: Formações dedicadas à guerra cibernética, contra-medidas eletrônicas e apoio informacional, com sistemas capazes de desconectar redes inimigas e quebrar cadeias digitais de comando.

Essas capacidades são integradas por sistemas de batalha geridos por IA, representando uma doutrina de "informatização" e "inteligentização" que a China busca dominar. Paralelamente, campanhas de ciberespionagem de longo prazo, como a atribuída ao grupo "Salt Typhoon" – que teria comprometido redes em cerca de 80 países – evidenciam uma guerra silenciosa pela superioridade de dados e uma capacidade de causar danos profundos mesmo em tempos de paz nominal.

Investimentos e a Diplomacia do Cinturão e Rota na América Latina

Enquanto os EUA tentam erguer barreiras políticas, a China avança na América Latina com uma ferramenta poderosa: investimentos estruturais e cooperação técnica. Para além do contexto dos BRICS, a iniciativa chinesa do Cinturão e Rota (BRI) tem financiado portos, ferrovias, redes de energia e projetos de telecomunicações em toda a região. Este envolvimento cria interdependência econômica e alinha interesses de longo prazo dos países latino-americanos com a infraestrutura e os padrões tecnológicos chineses. A medida norte-americana de ressuscitar a Doutrina Monroe, portanto, surge como uma reação tardia e coercitiva a um processo de integração já em curso, que oferece uma alternativa concreta ao financiamento tradicional ocidental. A estratégia chinesa parece ser a de demonstrar que, diferentemente da abordagem histórica dos EUA, sua presença se baseia em benefícios econômicos mútuos e não intervenção política explícita – uma narrativa que encontra ressonância em várias capitais da região.

O "G5" e o Colapso da Governança Global Multipolar

A proposta de um "G5" exclusivo, reunindo China, Rússia, Estados Unidos, Brasil e Índia, à margem dos BRICS, G7 e G20, é um sintoma revelador do mal-estar com a governança global existente. Ela reflete a percepção de que:

  1. Os fóruns multilaterais estabelecidos estão paralisados por divisões profundas (como entre o G7 e o BRICS) ou são grandes demais para decisões ágeis (como o G20).
  2. Há uma busca por um directório de poder informal, onde as potências nucleares e demográficas principais possam negociar diretamente a nova ordem, marginalizando tanto aliados tradicionais dos EUA quanto potências médias.
  3. Há uma tentativa de cooptar ou dividir potências "pendulares" como Brasil e Índia, tirando-as de blocos como os BRICS e oferecendo um assento em uma mesa supostamente mais prestigiosa e decisória.

Contudo, esta proposta é profundamente problemática. Ela legitima uma visão de mundo baseada puramente no poder bruto, ignora a complexidade de alianças regionais e pode ser vista como um movimento desesperado dos EUA para recuperar uma posição de primazia em um cenário onde seu poder relativo declina. A adesão do Brasil e da Índia a tal grupo não é garantida, pois ambos valorizam sua autonomia estratégica e os benefícios de multiplicar parcerias em diferentes fóruns.

Conclusão: Uma Transição de Poder Conturbada

A "nova Doutrina Monroe" é menos uma doutrina de força e mais um ato de containment desesperado. Ela representa o reconhecimento tácito de que a competição central do século XXI está sendo perdida nos campos da inovação tecnológica, da integração econômica e da modernização militar. Enquanto a China investe maciçamente em ciência (com aumentos de 10% no orçamento para tecnologia), avança na computação quântica e estrutura uma indústria de defesa de última geração, os EUA parecem recorrer a instrumentos do passado: ameaça de força, exclusão hemisférica e a tentativa de formar clubes exclusivos.

O mundo assiste a uma transição de poder caótica. A tentativa norte-americana de forçar sua integração ao bloco econômico mundial em desenvolvimento – após anos de promover a desglobalização – e de frear a China através do isolamento regional na América Latina, parece uma estratégia de retaguarda. O verdadeiro tabuleiro do poder já está sendo desenhado em laboratórios quânticos, em ciberataques silenciosos, em portos de águas profundas e em cadeias de suprimentos de terras raras. Neste jogo, a resposta baseada apenas no poder militar e na coerção política mostra-se, como alertado por analistas, não apenas contraproducente, mas um sintoma do auto-enfraquecimento que pode acelerar a mudança na ordem global que tanto se pretende evitar.

Com informações de: Aporrea (Negocios TV), TechPolicy Press, Kharon ■