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A trajetória política de Jair Messias Bolsonaro é inextricavelmente ligada ao uso estratégico da desinformação. Longe de ser uma característica surgida na era digital, esse alinhamento com narrativas falsas ou distorcidas tem raízes profundas, que remontam aos seus dias como capitão do Exército. Uma análise crítica de sua jornada — da caserna à presidência e ao banco dos réus — revela um padrão consistente: a manipulação da informação como ferramenta para construir notoriedade, deslegitimar adversários, mobilizar bases e, por fim, desafiar os pilares da democracia.
A primeira grande exposição nacional de Bolsonaro ocorreu pelas páginas da revista Veja. Em setembro de 1986, o então capitão assinou um artigo na seção "Ponto de Vista" reclamando dos baixos salários militares. Ele contestava reportagens que atribuíam a expulsão de cadetes da AMAN a "homossexualismo" ou drogas, argumentando que o motivo real era financeiro. A publicação, considerada um ato de indisciplina, rendeu-lhe 15 dias de prisão e, paradoxalmente, catapultou sua visibilidade, gerando onda de solidariedade entre militares.
Um ano depois, em outubro de 1987, a mesma Veja publicou uma reportagem explosiva. Intitulada "Pôr bombas nos quartéis", revelava um suposto plano de Bolsonaro e do também capitão Fábio Passos para detonar explosivos em banheiros da Vila Militar e da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), além de uma adutora do Rio Guandu. O objetivo seria protestar contra os salários, criando um clima de instabilidade para pressionar o Ministro do Exército. A reportagem exibia croquis detalhados de uma bomba-relógio, atribuídos a Bolsonaro. Embora ele tenha negado veementemente a autoria dos desenhos e do plano, um Conselho de Justificação do Exército considerou-o culpado, concluindo que ele mentiu durante o processo. No Superior Tribunal Militar (STM), porém, laudos periciais contraditórios levaram à sua absolvição por 9 votos a 4. Este episódio, batizado de "Beco Sem Saída", foi a senha de sua saída da caserna e entrada na política.
A punição e a polêmica funcionaram como um trampolim. A imagem de militar perseguido por defender a categoria galvanizou um nicho eleitoral. Apenas quatro meses após a absolvição pelo STM, em 1988, Bolsonaro foi eleito vereador no Rio de Janeiro com mais de 11 mil votos, capitalizando explicitamente o discurso em defesa dos direitos dos militares. Dois anos depois, dava início a quase três décadas como deputado federal. Esse momento inaugural de sua carreira política já revelava uma disparidade de interesses: a defesa dos militares como categoria, que lhe deu projeção, contrastava com as acusações de conduta "aética e incompatível com o pundonor militar" que marcaram sua saída das Forças Armadas.
A eleição de 2018 consagrou a desinformação como método em larga escala. A campanha de Bolsonaro, gerenciada digitalmente por seus filhos, especialmente Carlos Bolsonaro, operou uma máquina eficiente de disparo de mensagens via WhatsApp, muitas delas contendo informações falsas sobre o rival Fernando Haddad e o PT. Esse ecossistema digital criou uma base fiel e desconfiada das instituições tradicionais.
Entretanto, essa estratégia de desinformação nasceu ainda longe dos pilares informacionais digitais, perpassando até mesmo a idade de seus gerenciadores. Ainda pela década de 1990 e início dos anos 2000, quando Flávio, Eduardo e Carlos ainda eram adolescentes, o principal canal de escoamento das "notinhas" para colunas de imprensa chamava-se Waldir Ferraz. Conhecido como "zero-zero", o aposentado da Marinha Mercante e contato direto do então deputado federal era, segundo informações, a principal via de intermediação para publicação nos meios de comunicação, principalmente ao seu grande amigo Ricardo Boechat em sua coluna do Jornal O Globo. Boechat, inclusive, teria reclamado várias vezes de informações falsas, por vezes, apuradas após a publicação dos "furos" dados por Jair Bolsonaro.
Posteriormente, o próprio Ferraz publicou, como assessor de seu grande amigo, ser o idealizador das motociatas que ocorreram por todo o país durante e após a campanha de Bolsonaro para a reeleição. Em sua última aparição na imprensa, Ferraz acusou a ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Vale, de ser a mentora do esquema de rachadinhas no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, e que Jair não tinha conhecimento do esquema - segundo o assessor informal, na época os dois ainda não tinham relacionamento conjugal. Procurado pela imprensa após as declarações, Waldir silenciou, apenas afirmando que o fez a mando do próprio Jair Bolsonaro.
Uma vez na cadeira da Presidência da República, a tática migrou da campanha para o governo. Durante a pandemia de COVID-19, o presidente foi a principal fonte de desinformação no Brasil:
Esse fluxo constante de falsidades tinha um objetivo claro: construir uma narrativa paralela onde o governo era vítima de uma "imprensa marrom", a pandemia era um pretexto para tirar liberdades, e as urnas eletrônicas — atacadas incessantemente sem provas — eram fraudulentas.
Derrotado nas urnas em 2022, Bolsonaro e seu círculo mais próximo orquestraram o ápice de sua estratégia de deslegitimação. Alimentaram especulações sobre fraude eleitoral, convocaram protestos de seus apoiadores e, conforme apurado pela investigação do Supremo Tribunal Federal (STF), chegaram a elaborar um plano para um golpe de Estado que incluía a decretação de estado de sítio e a prisão de ministros do STF, incluindo Alexandre de Moraes.
As ações pós-eleitorais seguiram o manual da desinformação:
A Justiça, no entanto, foi enfática. Em setembro de 2025, a Primeira Turma do STF condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por crimes como tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. O julgamento histórico marcou a primeira vez que um ex-presidente e militares de alta patente foram condenados por atentar violentamente contra o Estado Democrático de Direito.
Linha do tempo: Os marcos do alinhamento com a desinformação
A análise da trajetória de Jair Bolsonaro demonstra que sua relação com as "fake news" não foi um acidente ou um desvio de percurso, mas sim a coluna vertebral de seu projeto político. Do croqui de uma bomba desenhado à mão para uma revista, às minutas digitais de um golpe de Estado, o método se sofisticou com a tecnologia, mas a essência permaneceu: a criação de uma realidade paralela através da desinformação, usada para atacar instituições, mobilizar seguidores e, quando necessário, tentar subverter a ordem democrática. Sua condenação histórica é o epílogo judicial desse longo alinhamento, mas o legado de divisão e descrença nas instituições que essa estratégia ajudou a cavar permanece como um desafio profundo para a sociedade brasileira.
Com informações de: Veja, BBC News Brasil, Agência Brasil, CNN Brasil ■