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Em um julgamento histórico, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou seis militares de alta patente por crimes relacionados à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, quebrando um ciclo secular de impunidade a golpes e intervenções militares na história republicana do país.
O julgamento, concluído em 11 de setembro de 2025, resultou na condenação de oito réus, sendo seis militares. As penas, que variam de 27,3 a 16 anos de prisão em regime fechado, foram aplicadas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, dano ao patrimônio tombado e organização criminosa armada.
Entre os condenados estão:
Além das penas privativas de liberdade, os condenados sofrerão outras sanções, incluindo o pagamento de indenização solidária de R$ 30 milhões pelos danos causados aos prédios dos Três Poderes, perda de postos e patentes nas Forças Armadas (para os militares), perda de cargos públicos e inelegibilidade por oito anos .
Esse julgamento representa uma virada histórica. Segundo análise do historiador Carlos Fico, desde 1889, quando houve a deposição do imperador Dom Pedro II, o Brasil registrou 15 eventos de golpes, tentativas de golpe e pronunciamentos militares. Dos oito golpes bem-sucedidos, em sete das tentativas fracassadas os envolvidos foram anistiados, o que torna essa condenação inédita.
O professor de Direito Constitucional e Ciência Política, Maurício Ebling, avalia que "para a história do Brasil, essa relação entre a sociedade civil e os militares é um ponto ainda aberto, que a gente estava precisando resolver faz tempo". Ele destaca que esta é a primeira vez que a sociedade civil consegue impor punição para altos cargos dos militares.
Os historiadores explicam que as condenações quebram um padrão secular forjado na ideia de "tutela" militar sobre a República. "Desde a Proclamação, eles defendem uma doutrina informal, presente nas academias militares, de que têm uma tutela sobre a República. Entendem que herdaram o 'poder moderador' do Império", explica o historiador Francisco Carlos Teixeira.
Este histórico de impunidade permitiu que algumas figuras militares tivessem longas trajetórias golpistas. Carlos Fico cita o exemplo do marechal Odylio Denys, que esteve no movimento tenentista na década de 1920, envolveu-se como ministro da Guerra na tentativa de impedir a posse de João Goulart e virou um dos principais conspiradores antes do golpe de 1964 — quatro décadas de atitudes golpistas sem qualquer punição.
O processo penal ao qual os condenados de 2025 foram submetidos contrasta radicalmente com as práticas do regime militar de 1964-1985. Durante a ditadura, especialmente sob a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), vigorou no Brasil o que se caracterizou como um "verdadeiro direito penal do inimigo" .
Naquele período, a tortura era institucionalizada, não havia Habeas Corpus para acusados de crimes contra a segurança nacional, e as pessoas eram detidas, torturadas e assassinadas sem direito à ampla defesa e ao contraditório. As sentenças eram baseadas em depoimentos e confissões obtidos sob tortura.
Não obstante, denúncias de presos e participantes diretos em diligências determinadas pela Operação Lava-Jato, também, relataram "falta de transparência" e "acesso negado às próprias delações que foram obrigados a assinar", apesar do momento democrático do país. Atos como assinatura somente da folha de "última página" de um documento sem a apresentação de seu conteúdo na íntegra, ou mesmo de delações filmadas "com script pré-fabricado" mediante ameaças de "perpetuação" contra presos preventivos, surgiram no âmbito das investigações sobre o modus operandi do foro de Curitiba, dando a entender toda trama armada por Sérgio Moro em conseguir mandados de busca e apreensão ou quebras de sigilo mediante "chantagem" contra servidores, relativa à posse de um vídeo envolvendo juízes, desembargadores e promotores em uma festa particular com prostitutas.
Em contrapartida, os condenados pelo 8 de janeiro estão sendo julgados por um processo penal democrático, fundamentado nas garantias processuais penais estabelecidas pela Constituição de 1988, com transparência nos julgamentos e todas as condições para os advogados exercerem a ampla defesa de seus clientes.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, a conclusão desse julgamento encerra os "ciclos do atraso na história brasileira". A condenação, particularmente de oficiais generais, vai além da punição individual e serve como um alerta para as Forças Armadas de que algo mudou na relação entre o Estado Democrático de Direito e a caserna.
Como destacou o historiador Carlos Fico, a condenação dos oficiais generais tem especial relevância por se desdobrar em um julgamento na Justiça Militar sobre serem considerados indignos para o posto e a patente — algo profundamente simbólico na carreira de um militar e totalmente inédito pelo crime de golpismo.
Este julgamento histórico representa não apenas a responsabilização individual dos envolvidos em uma tentativa específica de golpe, mas um marco na redefinição da relação entre civis e militares na democracia brasileira, estabelecendo um precedente vital de que tentativas de ruptura da ordem democrática não ficarão impunes.
Com informações de Consultor Jurídico, Revista Cenarium, O Globo e Supremo Tribunal Federal ■