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Em fevereiro de 2019, a fronteira entre Colômbia e Venezuela transformou-se em palco de uma intensa disputa geopolítica. O líder oposicionista Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino e reconhecido por Estados Unidos e outros 50 países, organizava o que chamou de "Dia D" para a entrada de ajuda humanitária no país. O governo de Nicolás Maduro, no entanto, enxergava esta iniciativa como uma operação de desestabilização.
Freddy Bernal, representante do governo venezuelano no estado fronteiriço de Táchira, foi direto ao ponto em entrevista exclusiva: "Essa ajuda humanitária é uma espécie de 'cavalo de Troia', com a qual pretendem criar uma desestabilização na Venezuela". Bernal denunciou que se tratava de uma "provocação por parte do governo dos EUA, em conjunto com o governo da Colômbia" montando "um show de uma suposta ajuda humanitária, que não é ajuda nem é humanitária".
Os números apresentados por Bernal revelavam a dimensão do que considerava uma farsa: "ali chegaram 90 toneladas de alimentos, o que é equivalente a três caminhões", enquanto "através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção [CLAPs] do estado de Táchira, distribuímos todos os meses 6 mil toneladas de alimentos". A alegação de que quantidade tão pequena resolveria crise humanitária de proporções nacionais sustentava a tese do show midiático.
Em 30 de abril de 2019, a crise escalou com uma tentativa de levante militar denominada "Operação Liberdade". Juan Guaidó, acompanhado por um grupo de militares desertores e pelo líder oposicionista Leopoldo López - que fora libertado de prisão domiciliar - tentou mobilizar as Forças Armadas venezuelanas contra Maduro.
O episódio resultou em:
Enquanto Maduro e aliados descreveram as ações como tentativa de golpe, Guaidó negou as acusações, afirmando que seu movimento era pacífico. O levante não conseguiu angariar apoio suficiente nas Forças Armadas e fracassou em seu objetivo de remover Maduro do poder.
O governo venezuelano argumentava que as sanções econômicas impostas pelos EUA eram causa principal da crise humanitária. Freddy Bernal questionava: "Se os Estados Unidos estão tão preocupados, como dizem, que suspendam as sanções para comprar comida, remédios, insumos como qualquer país do mundo, porque temos os recursos [financeiros] necessários, como sempre o fizemos".
Especialistas ouvidos pela CNN Brasil em 2025 apontavam que interesses econômicos estavam no cerne do conflito. Marcos Sorrilha, professor de história dos EUA na Unesp, ponderava que "uma mudança no governo da Venezuela representaria uma oportunidade de negócios, tanto em relação ao petróleo quanto à abertura do mercado interno e exploração de outras matérias-primas".
Há também um aspecto ideológico e geopolítico crucial: "a Venezuela é porta de entrada tanto para a China quanto para a Rússia na visão do governo americano". A presença de influência regional desses países na América Latina representa ameaça estratégica aos interesses estadunidenses.
Em 2025, a estratégia dos EUA sofreu adaptação significativa. Sob o governo de Donald Trump, o enfoque deslocou-se da "mudança de regime" para o combate ao narcotráfico. O Cartel de los Soles e o Trem de Aragua foram classificados como organizações terroristas, com acusações de que a cúpula do governo venezuelano estaria à sua frente.
A movimentação militar tornou-se maciça: "Três navios de assalto anfíbio de deslocamento rápido, três contratorpedeiros, um cruzador de mísseis guiados, dois submarinos nucleares e mais de 8 mil efetivos estão operando na área". Especialistas consideram este poder de fogo "muito superior ao requerido para o 'combate às drogas'".
A tática também mudou radicalmente. Em setembro de 2025, uma operação terminou com explosão de lancha que supostamente transportava drogas, com 11 tripulantes a bordo. Diferente dos protocolos usuais da Guarda Costeira - que emite advertências e busca inutilizar motores para abordagem - a embarcação foi destruída diretamente, em ato que "se assemelha a uma execução sumária em alto-mar".
Analistas identificam fortes motivações políticas internas por trás da escalada trumpista contra a Venezuela. Lourival Sant'Anna, analista da CNN, avalia que Trump busca "limpar a biografia dele" atribuindo "à esquerda os estigmas de regime autoritário" enquanto colhe "dividendo político" internamente.
As eleições de meio de mandato de 2026 nos EUA aparecem como fator crucial. Uma operação militar "bem-sucedida" na Venezuela poderia dar fôlego a Trump perante a crescente rejeição de eleitores latinos às suas políticas migratórias. A mensagem de que "o fluxo migratório da Venezuela será drasticamente reduzido" ressoa especialmente entre eleitorado crucial em estados como a Flórida.
A evolução da retórica justificadora - de ajuda humanitária em 2019 a combate ao narcotráfico em 2025 - revela padrão consistente de utilização de crises reais ou fabricadas para avançar agenda intervencionista. Em ambos os casos, narrativas midiáticas são instrumentalizadas para criar consenso doméstico e internacional para ações que violariam soberania nacional em outros contextos.
O fracasso da estratégia de 2019 - tanto na tentativa de fazer entrar a ajuda humanitária quanto no levante de 30 de abril - não impediu que Washington desenvolvesse novas abordagens, adaptando justificativas mas mantendo objetivo central de mudança regime na Venezuela. Como resume Manuel Sutherland, "se concretizada, seria um retrocesso para o continente em direção a formas de resolução de disputas que pareciam superadas".
Com informações de DW, Brasil de Fato, CNN Brasil, Outras Palavras, G1, Wikipedia ■