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Em 2002, as comunidades do Alemão e da Penha foram palco de uma operação policial que resultou na prisão de dois dos criminosos mais procurados do país, Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco, sem que um único tiro fosse disparado pela polícia. Vinte e três anos depois, em outubro de 2025, uma megaoperação no mesmo território, batizada de "Operação Contenção", terminou com 121 mortos, tornando-se a ação policial mais letal da história do estado do Rio de Janeiro e superando em número de vítimas o Massacre do Carandiru. Esta reportagem compara os dois episódios para analisar a crítica transformação no paradigma de segurança pública no Rio de Janeiro.
Os dois eventos, separados por pouco mais de duas décadas, ilustram filosofias de segurança pública radicalmente diferentes. A tabela abaixo sintetiza as principais diferenças:
O contexto do crime organizado também se transformou profundamente. Em 2025, o Comando Vermelho (CV) havia fortalecido seu poder bélico, utilizando-se de drones para lançar granadas contra as forças especiais da polícia, uma tática inédita que representou uma nova escalada no conflito. A operação tinha como objetivo declarado conter o avanço do CV, que usava os complexos como bases estratégicas.
No entanto, a ação gerou consequências imediatas e severas para os moradores. Criminosos retaliaram com bloqueios de vias usando mais de 70 ônibus roubados, paralisando partes da cidade e forçando o fechamento de 46 escolas. Relatos de familiares e moradores apontaram para supostas execuções, tortura e mutilações, com dezenas de corpos sendo encontrados em uma área de mata e resgatados pelos próprios residentes.
O governo do estado, sob o comando do governador Cláudio Castro, defendeu a operação, classificando-a como um "sucesso" e afirmando que todas as vítimas civis eram "envolvidos com o tráfico". Esta afirmação, no entanto, foi contestada pela própria presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, que questionou a falta de investigação prévia que atestasse o envolvimento de todos os mortos com o crime organizado. Dados posteriores do governo indicaram que, dos 99 corpos identificados, 78 tinham passagem criminal e 42 tinham mandado de prisão pendente. No entanto, nenhum dos mais de 100 mandados de prisão emitidos pelo Ministério Público foram cumpridos.
Enquanto uma pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas publicizou 69,6% da população do município do Rio aprovando a operação, organismos nacionais e internacionais, incluindo a ONU, cobraram explicações do Estado brasileiro e condenaram a violência. A operação gerou manchetes em veículos internacionais, que compararam as cenas a um "banho de sangue" e colocaram sob escrutino a política de segurança pública brasileira.
A comparação entre 2002 e 2025 evidencia uma guinada tática de um modelo de segurança pautado pela inteligência e precisão para um modelo de guerra e aniquilamento. A "Operação Contenção" não foi um evento isolado, mas o ápice de uma série de operações cada vez mais letais, como a de Jacarezinho em 2021.
Especialistas e moradores argumentam que a violência é um sintoma de um problema mais profundo: o abandono histórico do Estado em fornecer direitos básicos como educação, cultura e oportunidades. Como disse uma moradora do Complexo da Penha à pesquisadora Priscilla, "os jovens são atraídos pela cultura do crime" em um ambiente onde o Estado está ausente. Neste vácuo, o crime se organiza e oferece um sentido de pertencimento e poder, enquanto a resposta estatal se limita, com frequência crescente, ao uso da força letal.
A prisão de Beira-Mar em 2002 demonstrou que era possível, sim, enfrentar o crime organizado com planejamento e sem banhos de sangue. A "Operação Contenção" de 2025, por outro lado, revela um Estado que, nas palavras da deputada Dani Monteiro, "perdeu qualquer limite", levantando uma questão crucial: esta estratégia de guerra contra sua própria população realmente torna o Rio de Janeiro mais seguro, ou está fadada a repetir ciclos intermináveis de violência?
Com informações de Agência Brasil, Wikipedia, O Globo, Deutsche Welle, Gazeta do Povo, The Conversation, Jovem Pan. ■