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EUA assumem controle direto sobre acordo em Gaza em gestão inédita da política israelense
Estratégia apelidada de “Babysitting” envolve paradeiro de altos funcionários para garantir implementação do cessar-fogo, em uma reversão inédita de papéis
Oriente-Medio
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■   Bernardo Cahue, 24/10/2025

Uma estratégia diplomática incomum, apelidada de “Babysitting” por um oficial americano, está colocando os Estados Unidos no comando direto da implementação do cessar-fogo em Gaza. A tática consiste em um desfile de altos funcionários da administração Trump a Israel para garantir que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu cumpra o acordo mediado pelos americanos, invertendo a narrativa de uma antiga propaganda eleitoral israelense na qual Netanyahu era o “Babiá”, ou babá .

Nos últimos dias, uma sequência extraordinária de visitas de alto nível desembarcou em Israel. O presidente Donald Trump foi o primeiro, seguido pelo vice-presidente JD Vance e, na quinta-feira, pelo secretário de Estado Marco Rubio. Enquanto isso, o genro de Trump, Jared Kushner, e o enviado especial Steve Witkoff conduziram múltiplas missões no local para dar forma ao acordo .

Embora visitas americanas em tempos de crise não sejam inéditas, a natureza destas é diferente. Enquanto a ida do presidente Joe Biden em 2023 foi de solidariedade, as visitas de Trump são sobre “gestão e conformidade”. Como disse o vice-presidente Vance, os EUA pretendem “permanecer engajados todos os dias para garantir que a paz se estabilize” .

Essa gestão micrométrica reflete a determinação dos EUA para que o cessar-fogo sobreviva às suas frágeis primeiras semanas, mas também a preocupação com os parceiros de coalizão de Netanyahu. Aliados de extrema-direita do primeiro-ministro se opõem ao fim da guerra e chegaram a pedir a ocupação total de Gaza, ameaçando a estabilidade do acordo .

O Preço da Intervenção: Soberania e Críticas

A postura americana gerou um intenso debate em Israel sobre a soberania nacional e a independência das Forças de Defesa de Israel (FDI). O ex-chefe do Estado-Maior das FDI, Gadi Eisenkot, classificou a situação como “muito problemática”, afirmando que a presença de uma “entidade externa” gerenciando o evento limitará as operações militares israelenses .

Amos Harel, analista militar sênior do jornal Haaretz, foi mais direto: “Está claro que os EUA estão dando as cartas e Israel está jogando conforme suas regras”. Harel acrescentou que a liderança militar israelense, embora não goste de ter “outra autoridade pairando sobre sua cabeça”, entende que este é o único caminho para encerrar a guerra .

O líder da oposição, Yair Lapid, aproveitou a ocasião para criticar Netanyahu, acusando-o de ter transformado Israel em um “protetorado”. Netanyahu, no entanto, rejeita veementemente a ideia de que Israel se tornou um Estado-cliente dos EUA, classificando-a como “bobagem”. Em coletiva de imprensa, Vance ecoou a posição, afirmando que os EUA não desejam um “Estado vassalo”, mas uma parceria com um aliado .

Pressão como Cobertura Política

Analistas sugerem que a intervenção americana pode, paradoxalmente, servir aos interesses políticos internos de Netanyahu. A pressão exercida por Trump pode fornecer ao primeiro-ministro israelense uma cobertura política doméstica para fazer concessões que sua coalizão de direita nunca aceitaria de outra forma .

Este não é um movimento isolado. A administração Trump já interveio em decisões estratégicas israelenses em várias ocasiões nos últimos meses, incluindo ordenar que a Força Aérea Israelense recolhesse jatos a caminho de um ataque a alvos iranianos e forçar um pedido de desculpas ao Qatar após uma operação mal-sucedida em Doha .

O Cenário Mais Amplo: A “Aliança de Abraão”

Essa gestão direta de Gaza ocorre dentro de um contexto geopolítico mais amplo. Trump e Netanyahu declararam repetidamente sua intenção de expandir os “Acordos de Abraão”, que normalizaram as relações entre Israel e nações árabes .

Um projeto chamado “Escudo de Abraão” (“Abraham Shield”), proposto por uma coalizão de think tanks israelenses, visa criar uma grande aliança militar regional liderada por Israel para combater o Irã e promover integração econômica. Um de seus pontos prevê uma “separação” dos palestinos, mas não a criação de um Estado independente, o que gera atrito com as condições de nações como a Arábia Saudita .

Recentemente, Trump deixou claro os limites de seu apoio a Israel. Em entrevista à revista Time, ele afirmou que Israel perderia todo o apoio crucial dos EUA se anexasse a Cisjordânia, sinalizando que sua pressão sobre Netanyahu também visa proteger seus acordos mais amplos com os países árabes .

Futuro Incerto e Reconstrução

Enquanto isso, mesmo com o frágil cessar-fogo, EUA e países do Oriente Médio já planejam a reconstrução de Gaza, um projeto estimado em US$ 67 bilhões. Jared Kushner, uma peça-chave nos esforços de Trump, sugeriu controversamente que a reconstrução começasse apenas pelas áreas controladas por Israel, excluindo regiões onde o Hamas ainda está presente .

A reconstrução é vista como uma projeção de poder, com países como Catar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Turquia e EUA disputando influência. No entanto, o “desarmamento do Hamas” é citado por muitos como um pré-requisito para que qualquer esforço de reconstrução em larga escala avance, um desafio que permanece intocado .

Com informações de: CNN, OPEU, Wikipedia, Tribuna de Petropolis, O Globo, The Conversation, O Crente, NBC News, GauchaZH. ■