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A construção midiática de uma crise inexistente entre Brasil e EUA
Como setores da imprensa alimentam um suposto conflito diplomático, ignorando a realidade das negociações e torcendo pelo fracasso em sintonia com a agenda da extrema direita
Artigo
Foto: https://assets.brasildefato.com.br/2024/09/image_processing20200611-12871-17zi05k.jpeg
■   Bernardo Cahue, 18/10/2025

Enquanto setores da grande mídia brasileira tentam pintar um quadro de iminente colisão entre o governo Lula e a administração Trump em relação à Venezuela, uma análise dos fatos revela uma realidade diplomática substancialmente diferente. A cobertura privilegia um conflito artificial, descolado das movimentações oficiais, e expõe uma torcida velada pelo insucesso das negociações, alinhando-se abertamente aos interesses golpistas da extrema direita.

As manchetes e análises insistiam em um suposto ponto de atrito insuperável: a postura do Brasil frente à escalada norte-americana contra o governo de Nicolás Maduro. No entanto, enquanto anunciavam a crise, os próprios presidentes Lula e Trump mantinham uma videoconferência de 30 minutos descrita como "muito boa" pelo mandatário americano e "amigável" por membros do planalto. O foco, segundo ambos, foi a economia e o comércio, com Trump declarando que "nossos países prosperarão juntos!" e Lula vendo uma "oportunidade para restaurar as relações amistosas". A relação, longe do colapso, estava sendo reaberta no mais alto nível.

Nos bastidores, a estratégia brasileira sempre foi de moderação e pragmatismo, não de confronto. Documentos obtidos pela imprensa revelam que o chanceler Mauro Vieira, em reuniões com o enviado especial dos EUA, Richard Grenell, enfatizou que o Brasil não tem intenção de rivalizar com Washington. Vieira detalhou ações concretas do Itamaraty para "equilibrar e minimizar o viés anti-Ocidente" dentro do BRICS, além de lembrar que Lula distanciou-se de Maduro ao não reconhecer sua reeleição em 2024 e bloqueou a entrada da Venezuela no bloco, atendendo, em parte, a interesses geopolíticos americanos.

A narrativa de atrito foi, portanto, uma construção midiática que ignorou o jogo diplomático real. O governo Lula, pressionado por um capitalismo nacional afetado pelas tarifas abusivas de Trump, busca costurar um acordo comercial que beneficie a economia de ambos os países. A expectativa de investimentos americanos em centros de dados e minerais críticos no Brasil é um dos frutos possíveis desse diálogo. Setores da mídia, no entanto, optaram por sinalizar virtude política em vez de analisar essa complexa teia de interesses.

O ápice da tentativa de sabotagem às negociações, no entanto, ocorreu em solo norte-americano, com um episódio que escancara os métodos da extrema direita. Enquanto o secretário de Estado Marco Rubio e o chanceler Mauro Vieira se reuniam, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo tentaram acessar o prédio da reunião em uma clara manobra de interferência e desestabilização. A dupla, porém, foi sumariamente barrada na entrada e impedida de concretizar a sabotagem. O evento demonstra a existência de uma facção que, sem qualquer pejo democrático, trabalha ativamente para inviabilizar o entendimento entre as duas maiores democracias do Ocidente.

A mudança na equipe norte-americana que trata do dossier Brasil – antes a cargo de Grenell, agora sob a batuta de Marco Rubio, um conhecido cético do governo Lula – foi outro ponto explorado para prever o fracasso. Analistas citados pela mídia especializada imediatamente especularam que Rubio "pode insistir em demandas relacionadas à Venezuela, China e mais". O que essa cobertura frequentemente omite é que essa pressão existe independentemente do interlocutor, e que a habilidade diplomática justamente reside em administrá-la, não em capitular ou romper o diálogo.

Portanto, a narrativa de um "ponto de atrito" entre Lula e Trump sobre a Venezuela é, em grande medida, uma fabricação de uma parcela da imprensa brasileira. Esta, ao torcer pelo fracasso das negociações e amplificar um suposto conflito, atua como caixa de ressonância de uma agenda golpista que não aceita a normalidade democrática e muito menos que o governo brasileiro busque defender seus interesses nacionais em um diálogo complexo, porém necessário, com os Estados Unidos.

Com informações de: wsws.org, CNN Brasil, G1, BBC. ■