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Pressão por classificação de facções como terroristas: não é a primeira vez
Enquadramento buscado por Washington coincide com sanções a autoridades e projeto de lei relatado por condenado da extrema-direita, gerando alerta sobre soberania nacional
Artigo
Foto: https://memorialdademocracia.com.br/publico/image/508
■   Bernardo Cahue, 25/09/2025

O governo do presidente norte-americano Donald Trump tem pressionado o Brasil a classificar facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas. A insistência na mudança de protocolo, articulada em ao menos duas visitas de emissários dos EUA a Brasília em 2025, ocorre em paralelo a medidas como a ampliação de sanções contra ministros e familiares de autoridades do Judiciário brasileiro, criando um cenário de tensão diplomática que especialistas veem como uma ameaça à soberania nacional.

De acordo com informações publicadas em maio, representantes da Casa Branca se reuniram com o Ministério da Justiça para propor a alteração, mas o governo brasileiro rejeitou o pedido, argumentando que a legislação local não sustenta esse enquadramento para grupos com finalidade essencialmente econômica. Na avaliação de Brasília, facções criminosas atuam como "empresas criminosas" e sua repressão deve ser feita por instrumentos jurídicos mais adequados, não pela lei antiterrorismo.

Projeto no Congresso e o papel de Alexandre Ramagem

Enquanto o Planalto resistia à pressão internacional, no Congresso Nacional ganhava força um projeto de lei que atende exatamente aos interesses da agenda trumpista. O PL 1283/2025, que defende equiparar milícias e facções ao terrorismo, foi articulado e relatado pelo então deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) semanas antes de ele ser condenado a 16 anos de prisão pelo STF por integrar a trama golpista do 8 de Janeiro.

Em seu parecer, Ramagem citou nominalmente o "governo Trump" como modelo a ser seguido e a legislação dos Estados Unidos como exemplo de uma "definição mais ampla" que permite classificar grupos ligados ao tráfico como terroristas. O texto foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara em 19 de agosto e, após a condenação e perda do mandato de Ramagem, passou a ser relatado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

Sanções e o cerco a autoridades brasileiras

A pressão legislativa é acompanhada de ações diretas do governo Trump contra o sistema de Justiça brasileiro. Em setembro, o Departamento do Tesouro dos EUA ampliou as sanções sob a Lei Magnitsky, que incluem bloqueio de bens e proibição de entrada nos EUA, contra o ministro da AGU, Jorge Messias, e auxiliares e familiares do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Na justificativa, o Secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, acusou Moraes de liderar uma "campanha opressiva de censura" e disse que as ações visam "indivíduos que fornecem apoio material" ao ministro. O STF emitiu nota lamentando a decisão, classificando-a como "injusta" e reafirmando a independência do Judiciário brasileiro.

Riscos à soberania e ao Estado de Direito

Especialistas alertam que o enquadramento do crime organizado como terrorismo, conforme desejado pelos EUA, pode gerar sérios riscos ao Estado de Direito. O cientista político Thiago Moreira, da UFF, explica que grupos como PCC e CV têm finalidade econômica, não político-ideológica, diferentemente de organizações terroristas tradicionais.

"Embaralhar os dois conceitos abre margem para securitização estatal, ou seja, a transformação de questões de segurança em ameaças existenciais que demandam uso de força excessiva", avalia Moreira. Ele adverte que o precedente é perigoso e poderia, no futuro, ser usado para criminalizar movimentos sociais.

Uma trama com múltiplos vetores

Os eventos recentes desenham uma estratégia de pressão multilateral sobre o Brasil:

  • Pressão Diplomática: Insistência na alteração da classificação das facções, rejeitada pelo governo Lula.
  • Pressão Legislativa Interna: Articulação de um projeto de lei no Congresso que atende aos interesses dos EUA, inicialmente liderada por uma figura chave condenada por tentativa de golpe.
  • Sanções Econômicas e Pessoais: Medidas coercitivas contra autoridades do sistema de Justiça e seus familiares.

A combinação desses fatores, somada ao histórico de apoio de setores do governo Trump a narrativas golpistas no Brasil, acende o alerta para um cenário de erosão da soberania nacional, onde uma eventual mudança na lei antiterrorismo poderia ser instrumentalizada para justificar interferências mais amplas, à margem do direito internacional.

Com informações de: Agência Pública, O Globo, CartaCapital. ■