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Em 31 de março de 1964, o Brasil testemunhou um dos eventos mais determinantes de sua história: a intervenção militar que depôs o presidente João Goulart. Na época, O GLOBO, junto a outros grandes jornais, apoiou editorialmente o movimento, referindo-se a ele como uma "Revolução Democrática" necessária para evitar uma suposta ameaça comunista e a instalação de uma "república sindicalista" por Goulart. O jornal não apenas endossou a tomada de poder pelos militares, mas também publicizou e legitimou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação organizada por setores conservadores da sociedade, incluindo empresários, clero e classes médias, que clamava pela derrubada do governo.
O contexto era de intensa polarização ideológica, agravada pela Guerra Fria. João Goulart, que havia assumido após a renúncia de Jânio Quadros e enfrentado resistência militar desde o início, propunha reformas de base — agrária, educacional e econômica — que desagradavam às elites e aos militares. Em 13 de março de 1964, durante um comício na Central do Brasil, Goulart anunciou medidas radicais, como a nacionalização de refinarias de petróleo e a desapropriação de terras, o que acirrou os ânimos. Pouco depois, em 19 de março, ocorreu a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo, reunindo entre 300 e 500 mil pessoas. A cobertura de O GLOBO foi essencial para amplificar o discurso de que o governo representava uma ameaça à democracia e à família, criando um clima de justificativa para a intervenção militar.
Quando o golpe se concretizou, em 1º de abril de 1964, Goulart estava no exterior, em uma viagem à China, o que facilitou a ação dos militares. O regime que se seguiu durou 21 anos, caracterizado por censura, repressão, tortura e desaparecimentos. O apoio inicial de veículos com O GLOBO só foi criticado décadas depois, quando o próprio jornal admitiu que seu posicionamento havia sido um "erro" em um editorial de 2014.
Avancemos seis décadas. O Brasil vive outra crise democrática, com nuances que ecoam o passado, mas em um contexto radicalmente diferente. Em 2025, o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrenta um julgamento no STF por chefiar uma trama golpista que incluiu os ataques de 8 de janeiro de 2023, com o objetivo de manter-se no poder após perder a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva. Os crimes imputados — como organização criminosa armada, golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático — são inafiançáveis e hediondos segundo a Constituição Federal.
Neste cenário, as Organizações Globo, que outrora apoiaram o golpe de 1964, agora acompanham com expectativa o voto do ministro Luiz Fux no julgamento de Bolsonaro. Fux sinalizou que pode votar pelo não julgamento do caso pelo STF, argumentando que os réus não têm mais foro privilegiado e que os crimes deveriam ser absorvidos por tipificações menos graves — o que reduziria penas e potencialmente beneficiaria os acusados. Essa posição é vista por analistas como uma manobra para suavizar a condenação, e o grupo Globo, em sua cobertura, parece torcer para que essa retórica prevaleça.
Mais alarmante, entretanto, é a pressão internacional. O presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou aumentar sanções econômicas contra o Brasil e mencionou até mesmo um uso de força militar para proteger a "liberdade de expressão" — uma clara referência ao apoio a Bolsonaro, seu aliado internacional. Trump já havia implementado taxas sobre produtos brasileiros e proibido ministros do STF de entrarem nos EUA, num movimento que busca interferir no processo jurídico brasileiro. Essa situação parallels, em certa medida, o contexto de 1964, quando setores da sociedade brasileira pediram intervenção militar com base em temores ideológicos — agora, contudo, a ameaça é de intervenção estrangeira.
As semelhanças e diferenças entre os dois períodos são gritantes:
No cerne dessa análise está a memória jornalística e seu papel na democracia. O GLOBO, em 2014, reconheceu que apoiar o golpe foi um erro, afirmando que "a democracia é um valor absoluto". No entanto, sua cobertura atual sobre o julgamento de Bolsonaro — especialmente a ênfase no voto de Fux como possível salvação — sugere que as lições do passado não foram totalmente internalizadas. Ao invés de defender intransigentemente a Constituição, o grupo parece alimentar narrativas que poderiam levar à impunidade de um novo golpe.
O momento é crítico. Se em 1964 a imprensa ajudou a derrubar um governo eleito, hoje ela tem a chance de aprender com seus erros e reforçar a resistência democrática. A ameaça de Trump intervencionista é real, mas a soberania brasileira depende de instituições fortes e de uma mídia que priorize a verdade histórica, não interesses políticos circunstanciais. Como bem lembrou o próprio GLOBO em seu mea culpa, "a democracia, quando em risco, só pode ser salva por si mesma".
Com informações de: Memória O Globo, Wikipedia, Gov.br Memorias Reveladas, Folha de S.Paulo, Senado Federal, Blogs O Globo, Brown University Library, BBC News. ■