Trump e suas relações comerciais pautadas principalmente por razões esdrúxulas causaram o isolamento geopolÃtico dos Estados Unidos
Editorial
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■ Bernardo Cahue, 12/07/2025
A luz do farol, dizem, guia os navegantes. Mas e quando o próprio farol decide que sua luz é demasiado preciosa para ser compartilhada? Que deve brilhar apenas para si, num esplendor solitário? Esse parece ser o destino que a polÃtica do "America First" teima em traçar para os Estados Unidos: um paÃs cada vez mais imponente em sua autossuficiência declarada, e cada vez mais só no palco escurecido do mundo.
A promessa era sedutora, não há como negar. "Nós primeiro". Quem não quer colocar sua casa em ordem? Quem não quer priorizar seu povo? O problema surge quando "primeiro" se transforma, sutil ou grosseiramente, em "único". Quando os laços que teceram a complexa tapeçaria do pós-guerra – alianças militares, pactos comerciais, fóruns multilaterais – começam a ser vistos não como tramas de força coletiva, mas como grilhões que prendem o gigante. O resultado é um desmonte paciente, às vezes abrupto, de décadas de construção diplomática.
Vemos os sinais por toda parte. Nas saÃdas de cena de organismos internacionais ou acordos climáticos, deixando cadeiras vazias onde antes havia liderança – ou pelo menos presença. Nas tarifas impostas a aliados históricos, transformando parceiros em adversários econômicos. No tom de desdém, quando não de confronto aberto, dirigido a nações que ousam ter interesses divergentes ou simplesmente uma visão diferente de mundo. A mensagem é clara: o contrato global está rescindido. O negócio agora é bilateral, e sempre em termos americanos.
O efeito, porém, não é o de um paÃs fortalecido, erguendo muralhas impenetráveis. É o de um paÃs que se fecha numa sala cada vez mais escura. As luzes lá fora continuam acesas, é verdade. A Europa, embora cambaleante com seus próprios desafios, busca maior autonomia estratégica e militar. A China avança sua influência econômica e polÃtica com a Rota da Seda, tecendo sua própria rede de dependências e alianças. Novas potências regionais erguem-se, formando coalizões alternativas. O mundo não parou. Apenas seguiu adiante, reconfigurando-se na ausência do antigo árbitro.
E os Estados Unidos? Ficam do lado de dentro. Observam pelas frestas? Talvez. Mas perdem a capacidade de moldar eventos, de influenciar decisões coletivas, de deter crises que, como vÃrus ou mudanças climáticas, ignoram soberanias com desdém. O "America First" vira, na prática, "America Alone in The Dark". A escuridão não é apenas metafórica. É a sombra da irrelevância progressiva em assuntos que, mais cedo ou mais tarde, baterão à sua porta com força redobrada.
Há uma ironia amarga nisso. A nação que se ergueu como farol da democracia liberal, que liderou a criação da ordem internacional que hoje desdenha, que cantou seu poderio cultural e econômico para o mundo, agora parece contente em ser... uma potência solitária. Uma fortaleza, sim, mas uma fortaleza silenciosa, cujos gritos de "primeiro!" ecoam cada vez mais fracos do lado de fora, abafados pelo burburinho de um planeta que segue seu curso complexo e interdependente.
O "America First" prometia grandeza. Mas grandeza não se mede apenas pelo PIB ou pelo poderio militar. Mede-se também pela capacidade de liderar, de inspirar, de construir consensos. Mede-se pela luz que se projeta para além das próprias fronteiras. Ao escolher brilhar apenas para si, os EUA arriscam encontrar apenas o reflexo de sua própria solidão no espelho escuro de um mundo que aprendeu a seguir em frente sem olhar tanto para o farol. E, na penumbra autoimposta, a pergunta que fica é: quem realmente vence quando o farol decide que sua luz é só sua? A resposta, tristemente, parece ecoar no vazio: ninguém. Principalmente não o farol.■