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Discurso na Paulista: O Épico (e Estranhíssimo) Chamado do Capitão Sorvete
O cenário: Avenida Paulista, final de tarde. Um mar de amarelo e verde (e algum azul desbotado de camisa polo) se agitava sob um sol que teimava em não entender que era "de tarde em Brasil"
Editorial
Foto: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTMPH-q9mhA42T_5FtK0Co9QKPv4kWLJGi0jw&s
■   Bernardo Cahue, 07/07/2025
No palco, erguido como um altar à retórica peculiar, o Capitão se postava. Não um capitão de navio, mas de um cruzado particular, cuja bússola parecia apontar invariavelmente para o surreal.

"Brasileiros e brasileiras!" – começou ele, o microfone capturando cada suspiro dramático. – "Olhem para mim! Enquanto os comunas querem fechar as igrejas e transformar seus filhos em... em... plantadores de quinoa vegana!, eu estou aqui! De pé! Forte! Com os cílios intactos!" (Pausa para efeito. Alguns na plateia, hipnotizados pela espessa franja que protegia seus olhos de faíscas imaginárias, suspiraram. Outros se perguntaram se havia um patrocínio secreto de rímel).

"Eles falam de crise, de inflação... Bah!" – o gesto de desdém foi amplo. – "O que o povo quer? O povo quer é alegria! Quer é sorvete! Sim, sorvete de verdade, não essa gelatina ideológica que a esquerda oferece!" A promessa congelada ecoou. Um vendedor ambulante, gênio anônimo do capitalismo de rua, começou a gritar "Sorvete do Bem! Dois por cinco!". Vendia como água. Ou melhor, como sorvete derretendo no calor "de tarde em Brasil".

"Mas não se enganem!" – o tom ficou grave, conspiratório. – "Por trás do sorvete, há uma guerra! Eles querem seu 'for cu'!" (A pronúncia, única e inconfundível, cortou o ar. Tradutores simultâneos em cabines improvisadas trocaram olhares perplexos. "Força?", sussurrou um. "For what?", questionou outro. A plateia, porém, entendeu perfeitamente o apelo distorcido à força, ecoando em uníssono gutural: "É FOR CU! É FOR CU!").

E foi nesse momento, sob o sol oblíquo da Paulista, que a metáfora mais improvável surgiu. "Vocês não são gado! Não! Vocês são... pipoca!" (Silêncio. Até o vendedor de sorvete parou). "Sim, pipoca! Cada um de vocês, um grão único! Sozinhos, duros, insignificantes! Mas juntos... JUNTOS! Sob o calor da liberdade, estouramos! Viramos uma explosão de alegria, de patriotismo, de... de milho estourado que enche o saco da esquerda!" A imagem de milhões de brasileiros transformados em pipoca estalando de indignação patriótica pairou no ar. Era confusa. Era absurda. Era, inegavelmente, memorável.

"Então, pipoqueiros do Brasil!" – concluiu, os cílios tremendo de emoção (ou talvez de um leve vento "de tarde em Brasil") – "Mantenham-se quentes! Mantenham-se prontos para estourar! Com for cu, com sorvete no coração, e com os olhos bem abertos – protegidos, é claro! – nós venceremos! Acima de tudo, acima de todos! E... quem quiser pipoca, tem lá atrás!"

O discurso terminou. A multidão dispersou, alguns mastigando a metáfora da pipoca, outros lambendo sorvete, todos repetindo "for cu" como um mantra secular. O sol finalmente se pôs, deixando a Paulista cheia de restos de copinhos, embalagens de pipoca e uma pergunta pairando no ar, mais densa que a poluição: o que, exatamente, eles tinham acabado de presenciar? Um chamado à revolução? Um comercial de cinema? Ou apenas um dia muito, muito estranho, de tarde em Brasil?

Com informações de frases impressas em canecas ou traseiras de carrocerias dos mesmos caminhoneiros que vendiam pipoca e sorvete na porta dos quartéis.■