Siga nossas redes sociais
Logo     
Siga nossos canais
   
Análise: a diplomacia de cortina de fumaça de Trump
Movimento militar é visto como uma tentativa de esconder crises internas que desafiam o governo dos EUA
America do Norte
Foto: https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/a707/live/ad7c5660-1261-11f0-9588-191c47a09f8c.jpg.webp
■   Bernardo Cahue, 29/11/2025

Uma significativa mobilização naval dos Estados Unidos no Mar Caribe, autorizada pelo presidente Donald Trump, reacendeu o espectro de uma prática histórica: a "diplomacia das canhoneiras". Enquanto o governo americano justifica a ação como uma operação antidrogas, analistas e reportagens especializadas veem uma manobra geopolítica mais complexa, destinada a reafirmar o controle sobre o "quintal" americano, conter a influência de potências rivais e, potencialmente, desviar a atenção de desafios econômicos internos.

O Retorno das Canhoneiras

A estratégia envolve o envio de uma força naval substancial para perto das costas da Venezuela e de outros países latino-americanos. Essa força inclui destroieres da classe Arleigh Burke, equipados com o sistema de radar Aegis e mísseis de cruzeiro Tomahawk, e deve ser reforçada com o porta-aviões USS Gerald Ford e seu grupo de combate, totalizando cerca de 5.000 fuzileiros navais. Oficialmente, o objetivo é "interromper as rotas do tráfico" de drogas, numa campanha que Trump descreveu como um "conflito armado não internacional" contra os cartéis. No entanto, a escolha de plataformas de guerra de alto poder, em vez de embarcações de patrulha mais adequadas para a aplicação da lei, é vista como uma mensagem em si mesma – o meio é a mensagem, em uma exibição visível de poder naval.

Uma Estratégia com Múltiplas Camadas

Para observadores internacionais, a retórica antidrogas serve de fachada para objetivos estratégicos mais profundos:

  • Conter a Influência Estrangeira: A ofensiva é interpretada como uma tentativa de reposicionar o poder dos EUA em seu entorno geopolítico e conter o crescente avanço de China e Rússia na América Latina, reafirmando a visão histórica da região como "retaguarda estratégica" dos Estados Unidos.
  • Mudança de Regime na Venezuela: Especialistas apontam que o verdadeiro alvo é o presidente venezuelano Nicolás Maduro. A acusação de que ele lidera um "cartel de drogas" estatal, o "Cartel do Sol", e a oferta de uma recompensa de US$ 50 milhões por sua captura, são vistas como elementos de uma "guerra jurídica" para justificar uma agressão mais ampla.
  • Controle de Recursos e Rotas: A região do Atlântico Sul é uma rota comercial vital e abriga reservas estratégicas de energia e minerais. O reforço da Quarta Frota da Marinha dos EUA nesta área visa assegurar o controle dessas rotas e recursos críticos.

A Fachada Antidrogas em Questão

A justificativa central da operação é amplamente questionada. Especialistas e relatórios internacionais afirmam que:

  • O fentanilo, substância que mais preocupa os EUA, não é produzido na Venezuela e entra majoritariamente no país via México, não pelo Caribe.
  • A existência do "Cartel do Sol" como uma organização hierárquica e centralizada é contestada. Análises especializadas, como as do centro de estudos InSight Crime, descrevem o termo como referente a redes de corrupção esporádicas dentro das forças armadas venezuelanas, e não a um cartel monolítico.
  • As principais rotas do contrabando de cocaína da região andina concentram-se no Pacífico e nos corredores centro-americanos, tornando desproporcional o foco em Venezuela.

Sinais de Crise Interna nos EUA

Enquanto projeta força no exterior, o governo Trump enfrenta desafios econômicos e políticos em casa. Dados recentes mostram que a taxa de desocupação nos EUA atingiu 4,4%, o maior índice em quatro anos, afetando cerca de 7,6 milhões de pessoas. A inflação também tem subido, impulsionada em parte pelos tarifaços impostos por Trump a diversos países, o que levou o governo a recuar e reduzir essas taxas para produtos de nações como Brasil. Paralelamente, o índice de aprovação do presidente caiu para 41%, com 55% de desaprovação, indicando um desgaste político significativo. Esse contexto alimenta a análise de que a postura belicosa no Caribe pode ser, em parte, uma estratégia para desviar a atenção da opinião pública das dificuldades internas.

Reações e Perspectivas para a América Latina

A diplomacia das canhoneiras tem gerado reações adversas e colocado a região em um dilema. Governos latino-americanos, incluindo o do Brasil, têm demonstrado cautela e se movido para revisar formas de cooperação, temendo um retorno às intervenções do século XX. A Venezuela, por sua vez, respondeu mobilizando sua doutrina de "Guerra de Todo o Povo" e buscando apoio de aliados como Rússia, China e Irã. Diante da crise de hegemonia global dos EUA, a América Latina se vê diante de duas opções, conforme aponta análise em The Conversation: aceitar a tutela norte-americana ou construir sua própria arquitetura de cooperação em defesa, o que exigiria uma coordenação política regional até agora difícil de alcançar.

Com informações de: AthenaLab, CNN Espanhol, Estrategia.la, Revista Fal, The Conversation, Tiempo AR, Univision ■