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De "triturador de carne" a "motes": a evolução tática da Rússia na Ucrânia
Após perdas massivas em assaltos frontais, forças russas adotam grupos de assalto menores e veículos leves para infiltrar posições ucranianas em uma guerra de desgaste
Leste Europeu
Foto: https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2023/04/wagner.png
■   Bernardo Cahue, 16/11/2025

A cena, registrada em um vídeo geolocalizado próximo à cidade de Pokrovsk, no leste da Ucrânia, poderia ser de um filme pós-apocalíptico: soldados russos emergem de uma densa neblina montados em motos, motonetas e buggies, enquanto outros estão em pé na carroceria de uma picape deteriorada. Longe de ser apenas um vislumbre bizarro do front, essa imagem simboliza uma mudança profunda na forma como a Rússia conduz sua guerra, adaptando-se às realidades impostas pelos campos de batalha modernos, dominados pelos drones.

A batalha por Pokrovsk, que se tornou o novo símbolo da resistência ucraniana, ilustra essa transformação. Diferente do cerco a Bakhmut em 2023 – que ficou conhecido como um "triturador de carne" devido aos assaltos frontais e ondas humanas que deixavam corpos congelados nos campos –, a abordagem russa em Pokrovsk é mais sutil, ainda que igualmente mortal. O objetivo operacional não é mais limpar a cidade quarteirão por quarteirão, mas cercar as tropas ucranianas, cortar suas linhas de suprimento e forçar uma retirada.

As táticas russas evoluíram significativamente desde os primeiros dias da invasão em grande escala. A proliferação e o avanço tecnológico dos drones estenderam as "zonas de morte" em ambos os lados da linha de frente, tornando os avanços com blindados pesados extremamente difíceis e custosos. Em resposta, a Rússia passou a empregar grupos de assalto menores e mais ágeis, muitas vezes utilizando veículos não convencionais para se infiltrar em áreas ucranianas.

  • Grupos Pequenos: Em áreas urbanas, os russos costumavam se mover em grupos de cinco a sete pessoas. Agora, o máximo é três. Esses grupos menores são mais difíceis de rastrear com drones de reconhecimento, pois há menos movimento para detectar.
  • Inovação em Veículos: O uso de motos, buggies e quadriciclos é uma resposta direta à ameaça dos drones. "É lógico. Nós atacamos com drones, e é mais fácil (para eles) se moverem com transporte leve", explicou um soldado anônimo da 129ª Brigada da Ucrânia.
  • Objetivo Tático Alterado: Diferente de Bakhmut, onde as tropas eram enviadas "em campo aberto para atrair o fogo ucraniano, esperando que fossem mortas", a intenção agora é que o máximo possível desses soldados em grupos pequenos chegue perto das posições ucranianas para se entrincheirar.

Essa nova abordagem é profundamente ineficiente em termos de vidas humanas e só permite avanços lentos. Analistas do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) em Washington avaliam que o exército russo parece acreditar que suas taxas de perda são sustentáveis e que seu lento ritmo de avanço atende aos requisitos estratégicos do Kremlin. Estima-se que a Rússia tenha sofrido mais de 1,1 milhão de baixas desde o início da invasão, com um terço delas ocorrendo apenas no último ano.

Essa transformação não é apenas tática, mas também estrutural. O exército russo está passando por uma reconfiguração para lutar uma guerra posicional, otimizando-se para operações ofensivas lentas com unidades táticas especializadas. Essa adaptação, que combina táticas de infantaria desmontada com fogo de precisão de drones, representa um afastamento significativo de sua doutrina pré-2022 de guerra mecanizada de manobra. O sucesso dessa estratégia de desgaste, no entanto, depende fundamentalmente da capacidade do Kremlin de sustentar as perdas e de sua aposta no esgotamento do apoio ocidental à Ucrânia.

Com informações de: CNN, Foreign Policy, Institute for the Study of War (ISW), Al Jazeera, CEPA, The Guardian, Carnegie Endowment for International Peace, SIPRI. ■