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Flota fantasma: a arma marítima russa para garantir soberania e contornar sanções
Enquanto EUA mantêm embargo a Cuba, criticado na ONU, Rússia usa frota obscura de petroleiros para financiar guerra e garantir fluxo de petróleo, em desafio a sanções ocidentais
Leste Europeu
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■   Bernardo Cahue, 13/11/2025

Enquanto os Estados Unidos enfrentam críticas internacionais renovadas por manterem um embargo econômico a Cuba, considerado por muitos uma violação da soberania nacional, a Rússia aperfeiçoa seu próprio mecanismo de defesa contra sanções ocidentais: uma vasta "flota fantasma" de petroleiros. Esta frota, composta por centenas de navios de propriedade obscura, permite a Moscou exportar seu petróleo cru, contornando as restrições impostas pela União Europeia e o G7 após a invasão da Ucrânia, garantindo assim uma fonte vital de receita .

O que é a Flota Fantasma Russa?

De acordo com o governo britânico, a "flota fantasma" ou "frota na sombra" é composta por navios envolvidos em operações ilegais para burlar sanções, evitar o cumprimento de normas de segurança e ambientais, ou escapar dos custos de seguros . Esses petroleiros, muitas vezes velhos e em mal estado de conservação, operam sob bandeiras de conveniência (como as do Panamá, Libéria e Ilhas Marshall) e frequentemente desligam seus Sistemas de Identificação Automática (AIS) para se tornarem invisíveis aos sistemas de satélite, realizando transferências de carga no alto-mar para ocultar a origem do petróleo .

Embora a prática não seja nova – sendo utilizada anteriormente por Irã, Venezuela e Coreia do Norte – a Rússia a levou a um novo patamar. Desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia em fevereiro de 2022, a frota fantasma global, que antes transportava principalmente mercadorias para e a partir do Irã e Venezuela, aumentou consideravelmente de tamanho . O grupo de estudos americano Atlantic Council estima que quase 17% de todos os petroleiros do mundo agora integram essa frota .

Uma Questão de Soberania e Sobrevivência Econômica

A estratégia da flota fantasma é, para o Kremlin, uma resposta direta a um pacote de sanções ocidentais que tem como objetivo explícito estrangular a principal fonte de receita do estado russo. Essas medidas incluem um embargo petroleiro, a limitação do preço do petróleo russo a US$ 60 por barril e a proibição de fornecimento de serviços de transporte marítimo ocidentais .

O petróleo representa cerca de 30% dos ingressos orçamentários da Rússia, sendo crucial para financiar suas operações militares na Ucrânia . Ao formar sua própria frota, comprando indiretamente navios-tanque e aplicando seus próprios seguros, a Rússia reduz drasticamente sua dependência dos serviços marítimos ocidentais . Dados do Centro de Pesquisa de Energia e Ar Limpo (CREA) de Helsinque indicam que, apenas em agosto de 2025, 400 barcos exportaram petróleo e produtos petrolíferos russos, e 125 deles eram petroleiros fantasma .

O Paralelo com Cuba: A Luta Contra Sanções na ONU

O discurso de soberania e a rejeição a sanções unilaterais encontram eco em outros cenários geopolíticos. À medida que a Rússia mobiliza sua frota fantasma, os Estados Unidos continuam a enfrentar críticas internacionais massivas pelo embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba há mais de seis décadas .

Em outubro de 2024, 187 países votaram numa resolução não vinculativa da Assembleia Geral da ONU para pedir o fim do embargo americano contra Cuba. Apenas os EUA e seu aliado Israel votaram contra a moção . Acadêmicos como Noam Chomsky e Vijay Prashad argumentam que o embargo é "ilegal pela Carta da ONU" porque os Estados Unidos não possuem a resolução do Conselho de Segurança necessária para impô-lo, caracterizando-o como um esforço de longo prazo para minar a soberania cubana . Prashad questiona: "Por que não acabar com o embargo e deixar o governo cubano fracassar sozinho? Não é o governo que está fracassando, mas o embargo que estrangula o país" .

A Escala da Operação e a Resposta Ocidental

A dimensão da flota fantasma russa é colossal, embora as estimativas variem entre as diferentes agências ocidentais:

  • A União Europeia identificou 444 barcos como parte desta frota .
  • O Reino Unido sancionou 500 embarcações do tipo desde fevereiro de 2022 .
  • Os Estados Unidos impuseram sanções a 183 navios .
  • Fontes especializadas e estudos independentes chegam a estimar a frota em 1.400 navios ou mais, a maior já registrada na história .

Em resposta, o Ocidente tem tentado aumentar a pressão. Em dezembro de 2024, a UE impôs seu 15º pacote de sanções, visando especificamente cerca de 50 navios pertencentes à flota fantasma, negando-lhes acesso aos portos da UE e proibindo a prestação de serviços comunitários . No entanto, a eficácia dessas medidas é posta em dúvida. A própria imprensa europeia, como o jornal Le Monde, reconhece que as lacunas e a falta de controle reduzem significativamente a eficácia das restrições ocidentais . Navios como o petroleiro "Andromeda", incluso nas listas de sanções da UE, continuam a completar múltiplas viagens, gerando milhões de dólares em receitas para a Rússia .

Um Caso Concreto: A Mão de Ferro Francesa

A determinação ocidental em combater o esquema foi exemplificada em um caso recente. Em outubro de 2025, a justiça francesa levou a julgamento o capitão do petroleiro "Pushpa" (também conhecido como "Boracay"), que foi interceptado pela marinha francesa frente à costa da Bretanha . O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou publicamente que o navio pertencia à frota sombra russa e declarou que "30 a 40% do esforço bélico da Rússia está financiado pelos ingressos das flotas sombra" . O capitão enfrenta até um ano de prisão por suposta negativa da tripulação em cooperar com as autoridades . Este incidente ilustra a crescente disposição das potências europeias em tomar ações diretas e coercivas para perturbar as operações da frota fantasma.

Conclusão: Soberania e a Economia das Sanções

O caso da flota fantasma russa e as críticas persistentes ao embargo americano contra Cuba revelam as complexas fronteiras da soberania nacional e da coerção econômica no cenário global. Enquanto as potências ocidentais empregam sanções como ferramenta de política externa, nações como Rússia e Cuba desenvolvem mecanismos de resistência – seja através de complexas operações marítimas que desafiam a vigilância internacional, seja contando com a solidariedade e voto majoritário de outros países em fóruns como a ONU. A eficácia a longo prazo dessas sanções permanece em questão, mas uma coisa é clara: a luta pela autonomia econômica continua a moldar as relações internacionais no século XXI.

Com informações de: AP News, Brasil de Fato, Euronews, Huffington Post España, Jacobin, La Jornada San Luis, Reuters, Swissinfo, UOL ■