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O bilionário que pode calar a mídia americana
BBC alerta para a concentração de veículos de comunicação, redes sociais e estúdios de Hollywood nas mãos de um único grupo aliado ao poder político, e acende alerta sobre o futuro da democracia nos EUA
America do Norte
Foto: https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/681/cpsprodpb/eecb/live/ca277ac0-9d43-11f0-973f-51ea2fc41b54.jpg.webp
■   Bernardo Cahue, 29/09/2025

Um silêncio perigoso ronda as redações americanas. Larry Ellison, fundador da Oracle e uma das pessoas mais ricas do mundo, está tecendo uma rede de influência que coloca sob seu controle uma fatia sem precedentes da indústria de mídia e entretenimento. Seu projeto, que conta com a atuação de seu filho, David Ellison, ameaça configurar um monopólio midiático com poder para moldar narrativas políticas e culturais em escala global.

O império em construção assenta-se em três pilares principais:

  • Redes Sociais: A Oracle, da qual Ellison é acionista majoritário e diretor de tecnologia, é uma das investidoras no recém-criado TikTok norte-americano, aplicativo com cerca de 170 milhões de usuários no país.
  • Mídia Tradicional: Por meio da Skydance, seu filho David concretizou a fusão com a Paramount, assumindo o controle da rede de televisão CBS. Agora, a família planeja uma aquisição ainda mais ousada: a Warner Bros. Discovery, conglomerado que detém a CNN.
  • Hollywood: O mesmo grupo controla estúdios de cinema de peso, como Paramount Pictures e, potencialmente, os estúdios da Warner, unindo o poder jornalístico ao poder criativo e cultural.

Especialistas veem com extrema preocupação essa concentração. "Não é um sinal de uma democracia saudável quando bilionários compram todos os meios de consumo cultural", alertou Steven Buckley, professor de sociologia digital da University of London. A senadora Elizabeth Warren já se manifestou publicamente, classificando a potencial compra da Warner como uma "concentração de poder perigosa" que "precisa ser barrada".

Alinhamento político e mudanças nas redações

O que torna a situação ainda mais alarmante são os laços políticos da família Ellison e as mudanças já observadas nos veículos sob seu comando. Larry Ellison é um conhecido apoiador do presidente Donald Trump, e essa proximidade parece estar refletindo-se no conteúdo jornalístico.

Logo após assumir o controle da CBS, a nova administração nomeou Kenneth Weinstein, um aliado de Trump, para o cargo de ombudsman da CBS News. Paralelamente, circulam rumores fortes de que Bari Weiss, uma figura conhecida por suas posições contra a grande mídia, pode ser nomeada editora-chefe da rede. Esses movimentos fizeram com que funcionários descrevessem a sensação interna como a de "lançar uma granada" na redação. O lendário âncora Dan Rather manifestou publicamente sua preocupação, dizendo que é "muito difícil ser otimista sobre as possibilidades dos Ellisons comprarem a CNN".

Um alerta histórico: do poder da Globo ao silenciamento da Al Jazeera

Os perigos de um monopólio midiático não são uma novidade para os observadores da comunicação global. O mesmo grupo da BBC, em 1993, produziu o documentário "Muito Além do Cidadão Kane", uma investigação corajosa que detalhava como a Rede Globo cresceu e solidificou seu poder à sombra do regime militar brasileiro. O filme analisava a figura de Roberto Marinho, comparando-o ao personagem Charles Foster Kane, e expunha o poder da emissora para formar e manipular a opinião pública, tornando-se um caso clássico de estudo sobre a relação simbiótica entre mídia e poder. Não obstante, logo após o lançamento do documentário, o empresário brasileiro lançaria um ousado plano de controle midiático via cabo em conjunto com a gigante Microsoft - o plano acabou frustrado pelos questionamentos sobre uma "logística impossível" segundo Bill Gates e pela negativa às tentativas de financiamento pelo BNDES, em uma manobra que quase levou à penhora da Globo pelo Banco Palma de Mallorca e, posteriormente, levou o BANERJ à falência.

Mais recentemente, a BBC tem coberto outro front na batalha pela liberdade de imprensa: o cerco à Al Jazeera. Em maio de 2024, o governo de Israel decidiu fechar as operações do canal no país, invadindo seu escritório em Jerusalém e confiscando equipamentos, sob a alegação de que a emissora era uma "caixa de ressonância do Hamas". A medida foi amplamente criticada por organizações de direitos humanos e de proteção aos jornalistas, que a viram como um esforço para silenciar vozes críticas.

Em um movimento surpreendente, a própria Autoridade Palestina suspendeu as transmissões da Al Jazeera na Cisjordânia, acusando o canal de "incitação" e de interferir em assuntos internos. Este duplo silenciamento, por partes em conflito, ilustra como a informação independente e crítica é frequentemente o primeiro alvo de governos autoritários e de grupos de poder.

O Futuro da informação em jogo

O cenário que se desenha com a ascensão do império Ellison vai muito além de uma simples consolidação de negócios. Trata-se de uma fusão inédita entre capital tecnológico, infraestrutura de dados, produção cultural e jornalismo, tudo sob a égide de uma família com claras inclinações políticas. Quando um único grupo controla a plataforma de mídia social preferida dos jovens, as principais redes de notícias que formam a opinião pública e os estúdios que forjam o imaginário popular, a própria noção de esfera pública democrática e plural entra em colapso. O caso Ellison não é apenas mais uma manchete corporativa; é um teste crucial para a resistência das instituições democráticas na era da informação.

Com informações de: BBC.com, CNN Brasil, Fair.org, New York Times, The Verge. ■