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Dólar em alta e a especulação anônima: uma análise crítica da cobertura da Globo
Como a falta de transparência sobre fontes do mercado pode enviesar a narrativa jornalística
Analise
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■   Bernardo Cahue, 18/12/2025

A matéria do G1 e a falta de identificação de fontes

Em 17 de dezembro de 2025, o portal G1 publicou uma notícia intitulada "Dólar sobe e fecha a R$ 5,52 com foco nos EUA e incertezas políticas no Brasil; Ibovespa recua". No corpo do texto, a reportagem afirmou, sem qualquer qualificação, que "Agentes do mercado acreditam que a manutenção do governo atual tornaria mais difícil realizar ajustes robustos nas contas públicas, o que impacta negativamente o Ibovespa e o câmbio".

Este trecho é um exemplo claro de uma prática jornalística questionável:

  • A expressão "agentes do mercado" é vaga e não identifica quem são esses agentes (analistas, gestores, economistas-chefe de quais instituições?).
  • Não há citação direta, referência a relatórios ou qualquer esforço para quantificar ou qualificar essa "crença".
  • A informação é apresentada como um fato consolidado, sem contraponto ou contextualização sobre outras visões existentes no próprio mercado.

O contexto político: eleições 2026 e a pesquisa Quaest

A matéria do G1 vincula a movimentação do dólar e da bolsa a incertezas políticas, mencionando especificamente uma nova pesquisa eleitoral da Genial/Quaest que mostrou o presidente Lula na liderança para a eleição de 2026. Este contexto é real e de fato influencia os mercados, como mostram outras análises. Por exemplo, o Valor Econômico detalhou que a confirmação de rumores sobre a candidatura de Flávio Bolsonaro fez com que "agentes voltaram a aumentar a proteção das carteiras, o que se traduziu em queda da bolsa, alta do dólar e dos juros futuros".

No entanto, enquanto a análise do Valor busca explicar a lógica por trás da reação (citando, por exemplo, a avaliação de um estrategista sob anonimato), a notícia do G1 se limita a uma afirmação genérica que, na prática, associa a alta do dólar diretamente à possibilidade de reeleição do governo atual, sem explorar outros fatores igualmente relevantes citados na própria matéria, como declarações de autoridades dos EUA e a tensão geopolítica envolvendo a Venezuela.

A reação do mercado e a narrativa da mídia

A cobertura da turbulência financeira em período eleitoral não é exclusividade do G1. Outros veículos do mesmo grupo, como o blog de Míriam Leitão no O Globo, também abordaram o tema, mas com um tratamento mais detalhado. A coluna "Tombo na bolsa, dólar em alta: turbulência do mercado antecipa o clima de 2026" atribui a volatilidade à candidatura de Flávio Bolsonaro e cita nominalmente analistas de mercado, como Paula Zogbi (Nomad) e André Galhardo (Análise Econômica), para explicar os movimentos.

Essa diferença de abordagem evidencia um contraste:

  1. Transparência: A coluna do Globo identifica fontes específicas, permitindo ao leitor contextualizar a opinião.
  2. Profundidade: A notícia do G1, ao usar a expressão anônima "agentes do mercado", simplifica uma relação complexa e pode, mesmo que involuntariamente, reforçar uma narrativa de causalidade política unilateral.

Práticas jornalísticas questionáveis

O uso de fontes anônimas do "mercado" sem maior descrição ou contraponto levanta questões éticas e de qualidade jornalística:

  • Falta de responsabilização: Opiniões não atribuídas não podem ser checadas ou contestadas publicamente por outros especialistas.
  • Risco de viés: A generalização permite que a visão de um segmento específico do mercado seja apresentada como consenso, omitindo possíveis divergências.
  • Agendamento político: Em um período eleitoral sensível, essa falta de clareza pode servir para "especular" ou atribuir culpas a um ator político específico, como sugerido na crítica do usuário, sem oferecer ao leitor os elementos necessários para uma compreensão completa.

Conclusão

A cobertura econômica da grande imprensa, especialmente em momentos de volatilidade, tem um papel crucial em informar o público. A notícia do G1 sobre a alta do dólar acerta ao contextualizar o movimento com fatores políticos e internacionais. No entanto, falha ao reproduzir afirmações críticas sem identificar suas fontes, perdendo a oportunidade de oferecer uma análise mais rica e transparente. Essa prática, comum no jornalismo econômico, acaba por esvaziar o debate e pode contribuir para uma narrativa simplificada e potencialmente enviesada sobre as complexas relações entre política e economia.

Com informações de: G1, Valor Econômico, O Globo