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A crise venezuelana com múltiplos atores globais
Enquanto EUA anuncia cerco e consolida pressão midiática, bloco formado por China, Rússia e Irã se predispõem até como aliados militares à Venezuela
Analise
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■   Bernardo Cahue, 17/12/2025

A tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela transcende uma simples disputa bilateral. O que se observa é um jogo de xadrez geopolítico onde as jogadas de Washington são calculadas não apenas contra Caracas, mas em resposta à influência de outras potências em sua esfera de influência tradicional. Os movimentos militares dos EUA — incluindo o envio do porta-aviões USS Gerald R. Ford e de milhares de soldados para o Caribe — são tanto uma demonstração de força para o governo de Nicolás Maduro quanto um sinal para Rússia e China. O cerne da disputa envolve o controle das maiores reservas de petróleo do mundo e o modelo político a ser seguido na região, com os EUA buscando reafirmar uma versão atualizada da Doutrina Monroe.

O Escudo Russo: Apoio Estratégico e Dissuasão

A Rússia emerge como o principal aliado estratégico da Venezuela e um fator crítico de contenção. O apoio vai além da retórica:

  • Apoio Político Incondicional: A Rússia denunciou publicamente a "pressão política e chantagem militar" dos EUA, expressando solidariedade ao povo venezuelano e ao governo Maduro.
  • Arcabouço Jurídico Sólido: Os dois países têm um acordo de parceria estratégica de dez anos, ratificado por Vladimir Putin, que prevê cooperação em esferas como energia, segurança e combate a sanções unilaterais. Este acordo serve de base legal para um apoio mais profundo.
  • Dissuasão Militar: Analistas apontam que a Rússia, mesmo envolvida na Ucrânia, não abandonará seus interesses na Venezuela e poderá fornecer apoio em armamentos, financiamento, assessoria militar e, potencialmente, até o envolvimento de grupos como o Wagner. Apesar de o chanceler Serguei Lavrov negar pedidos formais de ajuda militar, ele reafirmou que a Rússia guiará suas ações pelas obrigações do acordo estratégico.

O Pilar Chinês: Interesses Econômicos e Visão Sistêmica

A China, por sua vez, atua como um pilar de resistência através de uma abordagem mais econômica e sistêmica. Analistas chineses interpretam a ofensiva dos EUA como uma tentativa de orquestrar uma mudança de regime e controlar recursos petrolíferos, inserida numa estratégia de reconstruir a hegemonia americana no Hemisfério Ocidental. Apesar de não haver menção a um apoio militar direto, a posição chinesa e seus profundos interesses econômicos criam um constrangimento adicional. Um ataque dos EUA que ameace esses interesses ou desestabilize radicalmente a região teria sérias repercussões na relação entre as duas maiores economias do mundo, elevando o custo de qualquer intervenção.

A Frente Interna Venezuelana: Entre o Medo e a Resistência

Internamente, o governo Maduro se prepara para uma estratégia de resistência prolongada. Milhares de civis receberam treinamento militar e foram ativadas milícias populares, com o governo afirmando poder contar com milhões em sua defesa. No entanto, a população vive uma dicotomia: enquanto parte se mobiliza contra a ameaça externa, o dia a dia é marcado pela luta pela sobrevivência econômica. A hiperinflação e a escassez são preocupações mais imediatas para muitos do que a guerra. Além disso, a repressão a opositores e o clima de medo para falar sobre política mostram as fissuras no discurso de união nacional.

Consternamentos Domésticos nos EUA e o Risco Calculado

Do lado americano, também existem freios poderosos a uma escalada descontrolada:

  1. Oposição Política e Legal: Ações militares de grande escala sem autorização do Congresso enfrentariam feroz oposição da oposição democrata e de parte da sociedade, que já vê os ataques navais como ilegais.
  2. Custo Militar e Político: A Venezuela não é Granada ou Panamá (alvos de invasões no século passado). É um país de território vasto e complexo, com um exército regular e uma milícia numerosa, o que promete um custo em vidas superior a operações passadas. Um "novo Vietnã" é um temor expresso por analistas.
  3. A Estratégia do "Escalonar para Negociar": Especialistas sugerem que a postura belicosa de Trump pode seguir sua fórmula conhecida de "escalate to negotiate" (escalar para negociar), usando a máxima pressão para obter concessões, seja em petróleo, seja em mudanças políticas, sem necessariamente buscar uma invasão total.

Conclusão: Um Abismo Possível, mas um Caminho Ainda Restrito

O risco de um conflito na Venezuela degenerar em um confronto global existe, mas hoje é contido por uma série de diques. A intervenção direta de Rússia, China ou Irã transformaria imediatamente o conflito em uma guerra de alcance mundial, com consequências imprevisíveis. No entanto, estes atores, por enquanto, atuam como fatores de dissuasão, aumentando o custo de uma aventura militar americana através de apoio político, econômico e militar estratégico.

A possibilidade mais realista no curto prazo é a de uma guerra limitada e de alta precisão — com ataques aéreos ou marítimos a alvos específicos — justificada pelo combate ao narcotráfico, mas com o objetivo real de desestabilizar o governo Maduro. O grande perigo reside em uma cadeia de erros de cálculo: uma ação americana que mate assessores russos, um ataque venezuelano que cause baixas massivas em tropas dos EUA ou uma crise interna em Caracas que force uma intervenção direta de seus aliados. Enquanto a retórica inflamada continuar, o espectro de uma Terceira Guerra Mundial, hoje ainda distante, permanecerá como um fantasma a assombrar as já tensas relações internacionais.

Com informações de: G1, BBC, Opera Mundi, DW, Brasil de Fato, China-US Focus, Fórum Econômico Mundial/RTP, Movimento Revista ■