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A guerra que (ainda) não é: a estratégia de pressão midiática de Trump contra a Venezuela
Em contraste com a guerra convencional na Ucrânia, o confronto no Caribe é marcado por uma campanha de comunicação destinada a impor terror e desestabilização, esbarrando em uma complexa teia de resistência interna e apoio geopolítico
Analise
Foto: https://ww2.kqed.org/app/uploads/sites/2/2019/09/GettyImages-1079458526-800x450.jpg
■   Bernardo Cahue, 17/12/2025

A Estratégia do "Choque" Midiático

Diferente do anúncio formal de uma operação militar especial por parte da Rússia na Ucrânia, a escalada contra a Venezuela foi gradual e centrada na narrativa. A partir de agosto, os Estados Unidos iniciaram um grande deslocamento militar no Caribe, justificado inicialmente como combate ao narcotráfico. No entanto, a estratégia evoluiu para uma campanha de pressão através de anúncios espetaculares e retórica inflamada nas redes sociais, com o claro objetivo de gerar uma sensação de cerco e inevitabilidade.

O ápice dessa tática ocorreu em 16 de dezembro, quando Donald Trump usou sua plataforma Truth Social para declarar um "bloqueio total e completo" a petroleiros e anunciar que a Venezuela estava "completamente cercada pela maior Armada já reunida na história da América do Sul". Essa comunicação direta e agressiva, repleta de acusações de terrorismo e roubo, não é apenas um comunicado político, mas um instrumento de guerra psicológica. Seu objetivo é implantar o terror não apenas na liderança, mas em toda a América Latina, demonstrando o poderio norte-americano e a disposição de usá-lo unilateralmente, sem uma declaração de guerra formal que exigiria autorização do Congresso.

Os Pilares da Resistência Venezuelana: Mais que um Exército

A efetividade dessa guerra midiática, no entanto, esbarra em realidades concretas que tornam uma invasão terrestre direta um cálculo estratégico de alto risco para os EUA. A defesa venezuelana se apoia em três pilares principais:

  • Apoio Geopolítico Ativo: A presença de dois generais russos, 120 tropas especializadas e suporte bélico russo e chinês dentro do país transforma a Venezuela em um potencial cenário de confronto direto entre potências nucleares. Este apoio não é meramente simbólico; ele eleva dramaticamente o custo de qualquer ação militar convencional, funcionando como um deterrente estratégico significativo.
  • Unidade e Legitimidade Interna: O governo de Maduro trabalha para projetar uma imagem de sólido apoio popular e institucional. Os atos massivos que lotaram as ruas de Caracas na segunda-feira são apresentados como prova dessa força. A narrativa oficial venezuelana em resposta ao bloqueio enfatiza a "perfeita união popular, militar e policial" na defesa da pátria. Essa demonstração de coesão, real ou percebida, visa desencorajar tentativas de desestabilização interna que poderiam acompanhar a pressão externa.
  • Fortalecimento da Moral: A combinação de apoio internacional tangível e manifestações populares de grande escala serve para fortalecer a moral das forças armadas bolivarianas e do aparato estatal. Em um conflito assimétrico, a vontade de resistir é um ativo tão crucial quanto o equipamento militar.

Os Limites da Pressão e a Paralisia do Conflito

A interação entre a ofensiva midiática norte-americana e os pilares defensivos venezuelanos cria um impasse peculiar. A estratégia de Trump, que inclui ataques a embarcações e a apreensão de um petroleiro, busca estrangular economicamente o regime e provocar seu colapso sem um combate terrestre em larga escala. No entanto, esta abordagem encontra limites:

  1. Custos Geopolíticos Proibitivos: Um ataque direto à Venezuela, com sua infraestrutura militar potencialmente assessorada pela Rússia, arriscaria uma escalada imprevisível e de consequências globais.
  2. Falta de Consenso Doméstico nos EUA: A ação de Trump já é classificada por congressistas como um "ato de guerra" não autorizado, revelando divisões internas que limitam sua liberdade de ação.
  3. Resiliência do Regime: O regime de Maduro, apoiado por seus aliados e com controle sobre as forças de segurança, demonstra capacidade de adaptação para contornar sanções, utilizando uma frota de "navios fantasmas" para manter o fluxo de petróleo.

Conclusão: Um Novo Modelo de Conflito?

O confronto no Caribe representa um modelo híbrido de conflito do século XXI. É uma guerra travada prioritariamente no campo da informação e da percepção, com operações militares limitadas e de alta precisão, destinadas a maximizar a pressão psicológica e econômica. Enquanto na Ucrânia há frentes de batalha claras, na Venezuela a frente de batalha é a psique coletiva e a economia.

As características morais e estratégicas da Venezuela — seu alinhamento geopolítico, a demonstração de unidade interna e o apoio militar externo — funcionam, até agora, como um dique eficaz contra a escalada para uma guerra aberta. Elas transformaram o país em um tabuleiro de xadrez geopolítico, onde o custo de um xeque-mate militar é alto demais para todos os envolvidos. O resultado é um conflito paralisado, onde a retórica belicista e o cerco midiático são as armas primárias, e o desfecho depende mais da resistência da economia e dos nervos da população do que do resultado de uma batalha campal.

Com informações de: G1, Opera Mundi, Al Jazeera, The Guardian, CNN Brasil, El País, UOL, Univision ■