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Estátua, ventos e a narrativa ideológica: a queda de um símbolo norteamericano na Telesur
Uma análise crítica sobre como a mídia estatal venezuelana enquadrou o colapso de uma réplica no Brasil, transformando um evento climático em um marco político simbólico
Analise
Foto: https://ikona.telesurtv.net/content/uploads/2025/12/brasil-estatua-768x432.jpg.webp
■   Bernardo Cahue, 16/12/2025

Em 16 de dezembro de 2025, uma réplica da Estatua da Liberdade, localizada em um centro comercial da rede Havan no Rio Grande do Sul, colapsou devido a ventos intensos próximos a 100 km/h. O fato, por si só, um incidente estrutural sem vítimas, foi noticiado pela rede estatal venezuelana Telesur com um enquadramento distinto. A cobertura, longe de se ater ao aspecto meramente factual ou de segurança, investiu pesadamente no significado político do objeto, caracterizando-o explicitamente como um "símbolo do bolsonarismo" e celebrando sua queda como um evento carregado de simbolismo.

A Construção de um Episódio "Comemorativo"

A abordagem da Telesur ultrapassa a descrição do evento para adotar um tom que pode ser lido como de celebração ou satisfação simbólica. Essa tonalidade é construída através de escolhas editoriais precisas:

  • Enquadramento Inicial: O título e o primeiro parágrafo estabelecem imediatamente a leitura política, definindo a réplica como um "símbolo do bolsonarismo" que "colapsou". A informação meteorológica, embora presente, é secundarizada por essa definição primária.
  • Linguagem e Semântica: O uso do verbo "colapsar" aplicado a um símbolo político associado a um grupo opositor carrega uma conotação de fim, derrocada ou fracasso, indo além do significado físico de "cair" ou "desabar".
  • Destaque do Contexto Ideológico: A matéria não apenas informa sobre a queda, mas dedica um parágrafo inteiro para vincular a empresa Havan ao "respaldo" ao ex-presidente Jair Bolsonaro, contextualizando o monumento não como uma simples atração turística, mas como um artefato de um projeto político específico.

Havan e Bolsonaro: O Eixo da Narrativa

A conexão entre a rede de lojas e a figura de Bolsonaro é o pilar que sustenta a narrativa "comemorativa". A análise crítica dessa associação revela:

  1. Identificação Explícita: A Telesur não deixa margem para ambiguidade. Ela afirma categoricamente que a Havan é "reconhecida por seu respaldo a Jair Bolsonaro", posicionando a empresa como um braço comercial e simbólico do bolsonarismo.
  2. Politização do Espaço Comercial: O centro comercial, através da réplica, é transformado de um local de consumo em um monumento político. Sua queda, portanto, não é a queda de um ornamento, mas a de um marco ideológico.
  3. Subtexto da Narrativa: A mensagem transmitida é a de que a queda física do símbolo reflete, ou ao menos é poeticamente justa, para uma suposta queda ou desgaste do movimento político que ele representa. É a materialização de um desejo político em forma de notícia.

Jornalismo Estatal e a Lente Ideológica

O tratamento dado ao fato não pode ser dissociado da natureza da Telesur como veículo de comunicação pública da Venezuela. Esta análise deve considerar:

A cobertura se insere no contexto mais amplo das relações geopolíticas e da disputa de narrativas entre governos de esquerda latino-americanos e a figura de Bolsonaro, visto como um antagonista regional. Para o público-alvo da Telesur, a queda de um "símbolo do bolsonarismo" no Brasil pode ser apresentada como um evento de interesse e até de contentamento, reforçando visões de mundo específicas. O risco aqui, do ponto de vista do jornalismo crítico, é a subordinação do fato à uma interpretação política pré-definida, onde o evento serve primeiro a uma narrativa e depois à informação pura.

Portanto, a matéria da Telesur sobre a queda da réplica vai muito além do registro jornalístico convencional. Ela é um exercício ativo de construção de significado, onde um incidente localizado é interpretado e apresentado como um episódio significativo na paisagem política continental. Ao enfatizar o caráter "comemorativo" e o vínculo Havan-Bolsonaro, o veículo estatal demonstra como a informação pode ser mobilizada para reforçar identidades políticas e celebrar, simbolicamente, as vicissitudes enfrentadas por seus adversários.

Com informações de: Telesurtv.net■