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Em um desfecho que intensifica o confronto institucional que marca o país, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou a decisão soberana da Câmara dos Deputados que havia mantido o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). A determinação, emitida na noite de quinta-feira (11), ordena a perda imediata do mandato da parlamentar – presa na Itália e condenada a 10 anos de prisão – e a posse de seu suplente em 48 horas. O ato, descrito por Moraes como a correção de uma “clara violação à Constituição”, é visto por setores da oposição como um “ato de usurpação institucional” e um “canetaço” autoritário. O episódio não se resume ao destino de uma parlamentar; ele acende o estopim de uma crise profunda sobre os limites da autonomia dos Poderes e a autoridade final na interpretação da Constituição.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes é direta e deixa pouco espaço para interpretações alternativas. Ele declara nula a votação do plenário da Câmara que, um dia antes, rejeitou a cassação de Zambelli por 227 votos a favor (30 a menos que a maioria absoluta necessária), 170 contra e 10 abstenções. Em seu lugar, Moraes “decreta a perda imediata do mandato parlamentar” e ordena que o presidente da Casa, Hugo Motta, dê posse ao suplente Adilson Barroso (PL-SP) no prazo máximo de 48 horas.
A fundamentação repousa sobre um entendimento consolidado do STF. Moraes argumenta que, segundo a jurisprudência da corte desde 2012 (referenciando o caso do mensalão), a perda de mandato é automática quando um parlamentar é condenado criminalmente com trânsito em julgado (decisão definitiva, sem possibilidade de recurso). Nessa situação, os direitos políticos são suspensos, tornando inviável o exercício do mandato. A função da Câmara, portanto, não seria a de rejulgar o caso ou votar politicamente sobre a manutenção do cargo, mas sim a de “declarar a perda do mandato” por meio de um ato administrativo vinculado à decisão judicial. Ao realizar uma votação deliberativa e contrariar a sentença do STF, a Câmara, na visão do ministro, praticou um “ato nulo, por evidente inconstitucionalidade”.
A trajetória de Carla Zambelli até este desfecho é marcada por gravíssimas acusações e pela fuga da Justiça brasileira. Em maio de 2025, a Primeira Turma do STF a condenou a 10 anos de prisão em regime fechado por ser a autora intelectual da invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023. O objetivo do hackeamento, executado por Walter Delgatti, era inserir um mandado de prisão falso contra o próprio ministro Alexandre de Moraes. Em junho, após a condenação se tornar definitiva, Zambelli – que possui dupla cidadania – fugiu do Brasil via Argentina e buscou asilo político na Itália.
A resposta de parlamentares aliados a Zambelli e de setores da oposição foi imediata e carregada de retórica inflamada. Líderes do PL usaram as redes sociais para atacar Moraes pessoal e institucionalmente:
Esse discurso contrasta com a análise de juristas. Especialistas em direito constitucional consultados pela imprensa reforçam que, diante de uma condenação criminal com trânsito em julgado, não cabe ao Legislativo reexaminar o mérito da decisão judicial. “Não é competência da Casa legislativa verificar se a decisão é justa ou não. Quem julga é o Supremo Tribunal Federal”, explicou Adriana Cecílio, doutoranda em direito constitucional pela USP. O professor Pedro Estevam Serrano (PUC-SP) complementa: “A Câmara não pode substituir o STF no papel de guardião da Constituição”.
O caso escancara uma ferida institucional recorrente: até onde vai a autonomia de cada Poder? O STF, com Moraes à frente, posiciona-se como o guardião último da Constituição, aplicando uma jurisprudência estabelecida para garantir que decisões criminais definitivas tenham efetividade prática, mesmo que isso signifique intervir no procedimento interno do Legislativo.
Por outro lado, os parlamentares que votaram pela manutenção de Zambelli invocam a soberania do voto popular e a independência dos Poderes. Argumentam que a Casa tem o direito de deliberar sobre a cassação de seus membros, conforme o artigo 55 da Constituição. No entanto, a decisão judicial aponta que esse direito não é ilimitado e esbarra quando há uma sentença penal condenatória definitiva.
Há precedentes de resistência do Congresso. Em 2016, o Senado ignorou uma decisão do STF para afastar o então presidente da Casa, Renan Calheiros. Em 2013, a Câmara manteve o mandato do deputado Natan Donadon, que cumpria pena em regime fechado – decisão suspensa pelo STF quatro dias depois. O que diferencia o caso Zambelli é a anulação sumária da votação e a determinação direta da perda de mandato por um ministro, sem aguardar um novo julgamento pelo plenário do STF, embora a decisão deva ser submetida à Primeira Turma virtualmente.
A ordem do ministro Alexandre de Moraes, embora firmemente ancorada em precedentes do próprio STF, inaugura um momento de tensão extrema. Ela sinaliza que a corte está disposta a usar seus poderes de forma contundente para fazer valer suas decisões, mesmo que isso signifique atravessar a linha vermelha da autonomia parlamentar, tal como percebida pelos congressistas. O risco imediato é o de um aprofundamento da polarização e da retórica de “ditadura” do Judiciário, que pode corroer ainda mais a confiança nas instituições.
O desfecho do caso Zambelli – que ainda depende de confirmação pela Turma do STF e do resultado da extradição na Itália – dificilmente trará paz institucional. Ele deixa claro que, no atual estágio da política brasileira, a interpretação da separação de Poderes é, ela mesma, um campo de batalha. Se por um lado a decisão reforça a tese da supremacia da Constituição e das sentenças judiciais definitivas, por outro ela alimenta a narrativa de um judicialização excessiva da política e de um ativismo judicial. O equilíbrio, nesse caso, parece ter sido sacrificado em nome da eficácia, e o preço dessa escolha ainda será cobrado no já fragilizado tecido da democracia brasileira.
Com informações de: Agência Brasil, Italianismo, G1, Valor Econômico, UOL, CNN Brasil ■