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Bets e manipulação: o lucrativo e sombrio casamento no futebol brasileiro
Dominância total das casas de apostas no patrocínio dos clubes da Série A ocorre em paralelo a esquemas de manipulação que se espalham das divisões de base às investigações do Senado
Analise
Foto: https://media.gazetadopovo.com.br/2024/10/14091717/bets-apostas-fernando-jasper-1-e-scaled.jpg
■   Bernardo Cahue, 04/12/2025

Um levantamento recente mostra que todos os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro de 2025 têm patrocínio de empresas de apostas esportivas, com 90% delas na posição de patrocinador master, estampadas no centro do uniforme. Enquanto o Flamengo lidera o ranking com um contrato que pode superar R$ 250 milhões anuais, e outros clubes batem recordes históricos de arrecadação, um cenário subterrâneo e criminoso avança: a manipulação de resultados para lucro no mercado de apostas, com esquemas que já movimentaram milhões e ameaçam a integridade do esporte nacional.

O Domínio das Bets e os Milhões em Jogo

A presença das apostas no futebol brasileiro é avassaladora e tornou-se a principal fonte de patrocínio privado. Além da totalidade dos times da elite, os valores são estratosféricos.

  • Flamengo: R$ 250 milhões/ano (Betano).
  • Corinthians: R$ 103 milhões/ano (Esportes da Sorte).
  • Palmeiras: R$ 100 milhões/ano (Sportingbet).
  • Atlético-MG: Mínimo de R$ 60 milhões/ano (H2bet).

Especialistas apontam que o Brasil já é o terceiro maior mercado global de apostas esportivas. Esse fluxo colossal de dinheiro legal, porém, cria um ambiente fértil para operações ilegais, onde o retorno financeiro da manipulação de uma partida pode ser até três vezes maior que o valor investido pelos criminosos.

Esquemas de Manipulação: Do Carioca C à Série C Nacional

As investigações revelam que a corrupção não se limita a divisões inferiores, mas segue um modus operandi organizado. A Operação "Jogada Marcada" da Polícia Civil de Goiás desmontou um esquema que movimentou R$ 11 milhões e atuava em vários estados. A estrutura era dividida em três núcleos:

  1. Financiadores: Empresários e apostadores que fornecem o capital inicial.
  2. Aliciadores: Intermediários que abordam e corrompem figuras do esporte.
  3. Profissionais do Esporte: Jogadores, técnicos, dirigentes e até árbitros que executam o combinado em campo.

Casos recentes mostram a abrangência do problema:

  • Série C do Carioca (RJ): O Barcelona Esporte Clube (RJ) foi afastado da competição e seu técnico e gestor foram suspensos após uma derrota por 10 a 0 que gerou alertas em casas de apostas do Brasil e do exterior.
  • Série C do Brasileiro: Três jogadores do Londrina denunciaram empresários que ofereceram R$ 15 mil a cada para que recebessem cartão amarelo em um jogo específico contra o Maringá.

O "Rei do Rebaixamento" e a CPI das Apostas

O caso mais emblemático da sofisticação e audácia desses esquemas é o do empresário William Pereira Rogatto, o "Rei do Rebaixamento". Preso em Dubai e extraditado para o Brasil com ajuda da Interpol, Rogatto é um réu confesso que afirmou, em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos do Senado, ter atuado para rebaixar 42 times do futebol brasileiro.

Sua prisão foi comemorada pelo relator da CPI, senador Romário, que afirmou: "A prisão de William Rogatto é uma vitória e mostra que a CPI das Apostas Esportivas investigou a fundo e trouxe resultados importantes para a moralização do esporte no Brasil". A CPI foi prorrogada para aguardar seu novo depoimento e o julgamento do jogador Lucas Paquetá na Inglaterra.

Respostas Institucionais e o Desafio da Regulação

Diante do crescimento das denúncias, o Governo Federal instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para criar uma Política Nacional de Combate à Manipulação de Resultados Esportivos, envolvendo os ministérios do Esporte, Justiça, Fazenda e a Polícia Federal. As primeiras ações incluem:

  • Um encontro técnico nacional para capacitar delegados de todo o país.
  • O desenvolvimento de uma plataforma digital para denúncias anônimas e monitoramento em tempo real com inteligência artificial.
  • A criação de um manual de diretrizes para padronizar a atuação preventiva e repressiva das autoridades.

Enquanto o Brasil tenta estruturar sua defesa, a experiência internacional mostra caminhos: a Premier League inglesa, por exemplo, decidiu banir patrocínios master de apostas da frente dos uniformes a partir de 2026/27, um contraste com a dependência quase total do futebol brasileiro deste recurso financeiro.

Com informações de: ge.globo.com, g1.globo.com, Senado Federal, Gov.br, UmDoisEsportes, Meio & Mensagem, Agência Brasil ■