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Como os BRICS e a Venezuela arquitetam o "derretimento do Dólar"
Expansão do bloco, ofensiva financeira e contra-ataque energético ameaçam os alicerces da hegemonia econômica dos EUA; a ordem mundial testemunha sua maior transformação desde Bretton Woods
Analise
Foto: https://thumbs.dreamstime.com/b/c%C3%A9dula-de-derretimento-do-gotejamento-do-d%C3%B3lar-americano-42780914.jpg
■   Bernardo Cahue, 03/12/2025

Um terremoto geopolítico de proporções históricas está em curso, e seu epicentro é a aliança dos BRICS. Longe de ser um fórum meramente consultivo, o bloco transformou-se na principal arena de um contra-ataque estratégico à hegemonia do dólar norte-americano, com a Venezuela atuando como um cavalo de Tróia energético e geopolítico. Esta ofensiva multifacetada, combinada com uma aparente auto-sabotagem da política externa dos EUA, não é uma mera disputa comercial. É uma batalha existencial pelo controle do sistema financeiro global, com potencial real para corroer, de forma irreversível, os pilares do poder económico estadunidense.

Os Pilares da Hegemonia Sob Ataque

A supremacia dos EUA no pós-guerra foi erguida sobre dois pilares indissociáveis: a moeda e a energia. O acordo do petrodólar com a Arábia Saudita em 1974 criou um ciclo perfeito: o mundo comprava petróleo em dólares, e os produtores reinvestiam esses dólares em títulos do Tesouro americano, financiando o déficit dos EUA e garantindo liquidez global à sua moeda. Este mecanismo transformou o dólar de uma moeda nacional em um ativo global público, permitindo a Washington um poder de vigilância e sanção sem precedentes por meio do controle de redes como a SWIFT. Contudo, este mesmo poder está semeando as sementes de sua própria destruição.

Os Vetores do Contra-Ataque BRICS: Uma Estratégia Conjunta

A resposta do BRICS é uma orquestrada campanha para construir sistemas paralelos e resilientes, reduzindo a dependência do dólar e das instituições ocidentais. Esta ofensiva se manifesta através de múltiplos vetores:

  • Sistemas de Pagamento Alternativos: A promoção ativa de acordos de comércio em moedas locais e o desenvolvimento de infraestruturas como o sistema de pagamentos chinês CIPS e o russo SPFS criam corredores financeiros "à prova de sanções".
  • Instituições Financeiras Próprias: O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS oferece financiamento para projetos de infraestrutura sem as condicionalidades políticas do FMI ou do Banco Mundial, que são vistos como extensões do poder norte-americano.
  • A Ofensiva do "Petro-Yuan" e a Conquista do Golfo: O golpe mais simbólico vem do coração do antigo sistema. A entrada de potências energéticas do Golfo—Emirados Árabes Unidos, Irã e Arábia Saudita (esta como observadora)—no BRICS é um ponto de virada . A China pressiona ativamente para que as vendas de petróleo saudita sejam liquidadas em yuan, desviando o fluxo primordial que sustenta o dólar .
  • O Portal Venezuelano: apesar de ainda não ser membro pleno, a Venezuela está firmemente "na órbita do BRICS" . O país oferece ao bloco as maiores reservas de petróleo do mundo e uma posição geoestratégica crucial no Caribe. O presidente Nicolás Maduro, vítima de sanções financeiras severas, tornou-se um evangelista agressivo de um "novo sistema internacional de financiamento" independente do dólar, usando as cúpulas do BRICS como palco global para este chamado .

A autossabotagem americana: alienando aliados e acelerando a fuga

Paradoxalmente, a maior ameaça ao dólar pode não vir de seus adversários, mas da política econômica dos próprios Estados Unidos. A administração atual adotou uma postura de coerção econômica indiscriminada, tratando aliados históricos como vassalos. A imposição de tarifas de 40% sobre o Brasil por razões políticas internas e acordos comerciais humilhantes que forçam Japão e Coreia do Sul a investir centenas de bilhões nos EUA em troca de acesso ao mercado estão criando um ressentimento profundo. O economista Jeffrey Sachs diagnostica: "O mundo não está se fragmentando. Os EUA é que estão se isolando." Cada ameaça de tarifa, cada sanção extraterritorial, serve como um anúncio público para que nações de todo o espectro político acelerem seus planos de contingência e diversifiquem para longe do dólar.

O "derretimento" é gradual, mas a derrocada é estrutural.

O fim do dólar não será um evento apocalíptico em um dia, mas um processo de erosão lenta e irreversível. Os números já mostram a tendência: a participação do dólar nas reservas globais caiu de 71% em 1999 para cerca de 58% hoje. O objetivo do BRICS não é necessariamente substituir o dólar por uma nova moeda única — um projeto cheio de dificuldades —, mas reduzi-lo a mais uma entre várias opções em um sistema financeiro multipolar.

O impacto para os EUA, no entanto, seria devastador:

  1. Fim do "Privilégio Exorbitante": perderia a capacidade de financiar seu déficit de forma quase ilimitada e a custo baixíssimo, forçando cortes dramáticos no orçamento ou gerando inflação interna.
  2. Enfraquecimento do Poder de Sanção: A principal arma da política externa dos EUA perderia eficácia à medida que transações críticas migrassem para canais alternativos .
  3. Inflação Estrutural e Alta de Juros: A demanda menor por Treasuries aumentaria os juros que o governo paga, e o dólar mais fraco encareceria importações, reduzindo o poder de compra do cidadão americano.

A entrada dos BRICS no Caribe por meio da Venezuela e a ofensiva financeira no Golfo não são eventos isolados. São movimentos coordenados em um tabuleiro geoeconômico global. A combinação letal de um contra-ataque sistemático do BRICS e uma política externa norte-americana que aliena parceiros está criando as condições para uma transformação histórica. A hegemonia do dólar, como a conhecemos, tem os dias contados. A questão que resta não é se ela terminará, mas quão rápido e quão desordenadamente este novo mundo multipolar irá nascer.

Com informações de: The White House, TV BRICS, Venezuela Analysis, Geopolitical Economy Report, Hudson Institute, Atlantic Council, The Cradle, Watcher.Guru, Sputnik Globe ■