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"Mulher negra no STF": a resistência seletiva da imprensa brasileira
Dados inéditos mostram que participação de mulheres negras e indígenas em cargos de liderança no Governo Federal salta de 1,9% para 11% em 25 anos, maior patamar desde a redemocratização, mas avanço é alvo de críticas seletivas de parlamentares bolsonaristas e setores da mídia
Analise
Foto: https://catarinas.info/wp-content/uploads/2025/10/Campanha-por-ministra-negra-no-STF-ganha-forca-apos-aposentadoria-de-Barroso.jpg
■   Bernardo Cahue, 20/11/2025

Um avanço histórico na representatividade no Poder Executivo federal, com a participação de negros e indígenas em cargos de liderança alcançando 39% em 2024 - o maior patamar em 25 anos - tem sido recebido com silêncio seletivo e críticas descontextualizadas por parte de deputados, senadores bolsonaristas e setores da mídia alinhados ao campo político. Enquanto o governo atual implementa políticas afirmativas concretas, as mesmas vozes que não se manifestaram sobre a baixa diversidade em governos anteriores agora questionam nomeações com recorte racial e de gênero.

Salto Histórico na Representatividade

O estudo "Lideranças Negras no Estado Brasileiro (1995-2024)", realizado pelo Afro-Cebrap, revela uma transformação profunda no perfil do serviço público federal:

  • Em 1999, no governo FHC, homens negros ou indígenas ocupavam 13% dos cargos de liderança e mulheres negras ou indígenas, 9%
  • Em 2024, no governo Lula, esses percentuais saltaram para 24% (homens) e 15% (mulheres)
  • Homens brancos, que representam apenas 20,58% da população brasileira, seguem ocupando 35% das posições de liderança

Esta evolução representa um aumento de 17 pontos percentuais na participação de negros e indígenas no Executivo federal ao longo de 25 anos, com crescimento consistente através de diferentes governos, incluindo uma elevação de 35% para 39% apenas entre 2022 e 2024.

Políticas Estruturantes por Trás do Avanço

O salto na representatividade não é acidental, mas resultado de políticas públicas deliberadas:

  • Decreto nº 11.443/2023 estabelece que, no mínimo, 30% dos cargos de liderança no governo federal sejam ocupados por pessoas negras - meta já superada, alcançando 38,6% em 2025
  • Nova Lei de Cotas (Lei nº 15.142/2025) amplia para 30% o percentual mínimo de reserva de vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas em concursos públicos federais
  • Programa LideraGov forma lideranças diversas para espaços de decisão, com edições dedicadas exclusivamente a pessoas negras

Contraste com Governos Anteriores e Silêncio Seletivo

O que chama atenção não é apenas o avanço, mas a reação diferencial de setores políticos e midiáticos. Enquanto criticavam intensamente as atuais políticas de cotas e nomeações com recorte racial, parlamentares bolsonaristas e colunistas aliados mantiveram silêncio quase absoluto durante os 40 anos pós-redemocratização sobre a sub-representação histórica de negros, indígenas e mulheres nos altos escalões do governo.

O mesmo segmento que hoje questiona a nomeação de mulheres negras para cargos de destaque não se manifestou quando, durante décadas, ministérios como das Relações Exteriores (51% de homens brancos) e da Fazenda (50% de homens brancos) permaneciam como redutos de homogeneidade racial e de gênero [citation:10].

A indicação de Jorge Messias para o STF desencadeou uma batalha política e nas redes sociais. Enquanto governistas e parte da bancada evangélica elogiaram a escolha, parlamentares bolsonaristas criticaram veementemente a decisão. Nas redes sociais, ganhou força uma campanha pela indicação de uma mulher negra para o cargo. Andreia Sadi, jornalista da GloboNews, alimentou o debate ao destacar que Lula teria de "equilibrar dois fatores: lealdade e governabilidade" em sua escolha. A expectativa por uma nomeação diversa intensificou-se pela coincidência do anúncio com o Dia da Consciência Negra.

O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, classificou Messias como "prevaricador" e pediu que o Senado rejeite a indicação. Já o bolsonarista Carlos Jordy considerou a nomeação "um tapa na cara do brasileiro".

A indicação também gerou atritos políticos. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o senador Rodrigo Pacheco manifestaram insatisfação com a forma como a articulação foi conduzida pelo governo. Alcolumbre defendia a indicação de Pacheco, considerado por seus pares "um nome qualificado para a vaga".

Resistência ao Avanço nas Maiores Autoridades

Os dados revelam que as resistências se intensificam conforme se sobe na hierarquia do poder. Nos cargos de maior autoridade:

  • Homens brancos ocupam 46% das posições (era 75% em 1999)
  • Homens negros e indígenas estão em 16% (eram 10% até 2014)
  • Mulheres negras e indígenas chegam a 11% (partiram de 1,6% em 1999)

Este fenômeno expõe o que a pesquisa qualitativa identificou como "pacto de branquitude sólido e excludente" que persiste nas esferas mais altas do poder, onde currículo qualificado ajuda, mas não é suficiente para que pessoas negras alcancem posições de comando.

Narrativa seletiva ignora transformação democrática

Enquanto setores midiáticos e políticos bolsonaristas constroem narrativas que questionam a meritocracia das atuais nomeações, ignoram que:

  1. O Brasil tem 55,5% de população negra que permaneceu sub-representada por décadas
  2. As mudanças recentes refletem um "momento de reconhecimento de pertencimento étnico-racial" que consolida uma trajetória sem volta
  3. A presença de mulheres negras em espaços de decisão não é apenas símbolo de representatividade, mas passo essencial para políticas públicas mais eficazes e alinhadas à realidade brasileira

A transformação em curso no serviço público, com concursos mais inclusivos e formação de lideranças diversas, representa uma das mais significativas mudanças demográficas do poder na história recente do país. O contraste entre o silêncio diante da exclusão histórica e as críticas aos avanços atuais revela mais sobre os críticos do que sobre as políticas que buscam corrigir quatro décadas de sub-representação pós-redemocratização.

Com informações de: Agência Brasil, Fundação Lemann, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos ■