Siga nossas redes sociais
Logo     
Siga nossos canais
   
Watergate 2.0? O caso Epstein e a sombra que ronda Trump
Liberação de e-mails e pressão no Congresso reacendem o debate sobre abuso de poder, mas as diferenças em relação ao escândalo que derrubou Nixon são profundas
Analise
Foto: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTzKJZtQ1Tr00WWTZ1hF9vZEcavTsmaozMM9A&s
■   Bernardo Cahue, 16/11/2025

O fantasma de Jeffrey Epstein assombra a Presidência de Donald Trump. A publicação de milhares de documentos, a relutância da Casa Branca em liberar todos os arquivos e a abertura de uma batalha política no Congresso levantam uma questão inevitável: os Estados Unidos estão vivendo um novo Watergate? Embora a crise atual compartilhe com a de 1972 o ingrediente de um escândalo que se desenrola gota a gota, ameaçando a credibilidade do presidente, as diferenças na natureza das provas, no contexto político e nas figuras envolvidas sugerem que, pelo menos por enquanto, uma comparação direta é mais metafórica do que factual.

O cerne do "Epsteingate" reside numa série de e-mails e documentos que mencionam Trump, obtidos do espólio do financista condenado por tráfico sexual de menores. Num desses e-mails, de 2011, o próprio Epstein escreve à sua cúmplice Ghislaine Maxwell: "Quero que você perceba que aquele cão que não latiu é Trump... (CENSURADO) passou horas em minha casa com ele, e ele nunca foi mencionado" . Noutra mensagem, de 2018, Epstein afirmou a um ex-funcionário da Casa Branca de Obama: "Sei o quão corrupto Donald é" . A secretária de imprensa da Casa Blanca, Karoline Leavitt, já se adiantou, classificando o material como não provando "absolutamente nada, a não ser que o presidente Trump não fez nada de errado".

Para analisar a fundo a questão, é preciso dissecar as semelhanças e diferenças entre os dois escândalos que marcaram a história política americana.

  • O Método: O Gotejar de Informações: Tal como no Watergate, onde os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein foram recebendo informações paulatinamente de "Garganta Profunda" , o caso Epstein avança através da liberação controlada de documentos. O Comitê de Supervisão da Câmara já disponibilizou cerca de 20.000 páginas, descritas como a "ponta do iceberg" de um arquivo que inclui discos rígidos, agendas e registros financeiros. Este gotejar constante mantém o escândalo vivo na imprensa e na opinião pública.
  • A Investigação Congressual e a Busca por Transparência: A pressão para que o Departamento de Justiça libere a totalidade dos "Papéis de Epstein" é um paralelo moderno da investigação do Senado sobre o Watergate. Democratas e um grupo de republicanos na Câmara conseguiram forçar uma votação para tornar os documentos públicos, superando a resistência inicial da liderança do partido. Este movimento reflete a clássica dinâmica de checks and balances, onde o Legislativo desafia o Executivo.
  • A Resposta Presidencial: Negação e Contra-ataque: A estratégia de Trump tem sido semelhante à de Nixon: negar irregularidades e atacar os investigadores. Ele e seus aliados rotularam o caso como uma "caça às bruxas", tentando descredibilizar o processo. No entanto, ao contrário de Nixon, que enfrentou um partido de oposição unificado e uma imprensa com um consenso sobre os fatos, Trump opera num ambiente hiperpartidário, onde sua base de apoio tende a ver qualquer investigação como politicamente motivada.

Contudo, as diferenças entre os dois casos são igualmente, se não mais, significativas.

  • A Natureza das Provas: Watergate foi construído sobre evidências forenses diretas, notadamente as gravações da Sala Oval que provavam o envolvimento de Nixon na obstrução da justiça . Até o momento, os e-mails de Epstein que mencionam Trump são, em sua maioria, relatos ou opiniões do próprio financista, e não uma prova concreta de um crime cometido pelo presidente. Como destacou a CNN, o material divulgado "em princípio, não pareceu... gerar novos problemas legais para Trump" .
  • O "Garganta Profunda" e os Protagonistas: A fonte que alimentou o Watergate, Mark Felt, era o número dois do FBI, um insider institucional que forneceu provas irrefutáveis . No caso Epstein, a fonte primária é o próprio criminoso, que morreu sob custódia em circunstâncias que alimentam teorias da conspiração. A figura mais próxima de uma testemunha-chave, Ghislaine Maxwell, já declarou, através de seu advogado, que "nunca viu o presidente em nenhuma situação inapropriada".
  • O Contexto Político Polarizado: A sociedade americana atual está muito mais dividida do que na década de 1970. Enquanto Nixon acabou por perder o apoio do seu próprio partido, forçando-o a renunciar, Trump mantém um controle firme sobre a base republicana. Pesquisas mostram que, apesar de uma desaprovação de 58% e de preocupações econômicas que beneficiam os democratas, o eleitorado está tão polarizado que 70% dizem que seu voto em 2026 será uma mensagem de apoio ou oposição a Trump.

O impacto político do caso Epstein ainda está por ser determinado. Se, por um lado, as revelações até agora não produziram um "fumo concreto" equivalente ao de Watergate, elas criam uma névoa de desconfiança e associam o presidente a um criminoso hediondo. Este desgaste pode ser significativo num contexto eleitoral. Os democratas saíram fortalecidos das eleições estaduais de 2025 e levam vantagem nas primeiras pesquisas para as eleições de meio-termo de 2026. O escândalo Epstein alimenta a narrativa democrata de que Trump representa uma ameaça às instituições e à moralidade no cargo.

Em última análise, chamar o caso Epstein de "Watergate 2.0" é, por enquanto, um exercício de analogia. O Watergate foi uma crise constitucional desencadeada por provas materiais de crimes específicos. O "Epsteingate" é, até o momento, um escândalo político e de relações públicas, alimentado por associações pessoais e pela percepção de um encobrimento. A pergunta que permanece é se o gotejar contínuo de documentos, e a possibilidade remota de surgirem provas mais contundentes, poderão transformar esta sombra num terremoto político da mesma magnitude que aquele que, há mais de 50 anos, forçou um presidente a deixar a Casa Branca.

Com informações de CNN, El País, Bloomberg, Telemundo, NBC News, Los Angeles Times, The Mirror ■