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Chacina na Penha e no Alemão: a crise de segurança como palco eleitoral e midiático
Operação mais letal da história do país, com 121 mortos, acende o debate sobre a eficácia e os reais motivos por trás da ação, enquanto governo estadual e federal travam uma disputa de narrativas e o conglomerado de imprensa alimenta desinformação e manipulação da opinião pública
Analise
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■   Bernardo Cahue, 15/11/2025

No dia 28 de outubro, uma megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, resultou em 121 mortos, tornando-se a ação mais letal da história do país. O evento não só escancarou a crise de segurança pública, mas também acirrou a disputa política entre o governador Cláudio Castro (PL) e o governo federal, em um cenário que especialistas apontam ser mais eleitoreiro do que efetivo para a solução do problema.

O governador do Rio, Cláudio Castro, acusou publicamente o governo federal de não oferecer apoio às ações policiais, numa tentativa, segundo analistas, de criar uma narrativa de confronto e transferir responsabilidades. A estratégia, no entanto, mostrou-se instável. Horas depois das críticas, Castro ligou para a ministra Gleisi Hoffmann para se retratar, dizendo que não tinha a intenção de atacar o governo federal. Essa guinada rápida revela a sensibilidade do tema e o risco calculado de uma manobra que busca capitalizar politicamente com a comoção pública em torno da segurança.

Problemas na Operação e Indícios de Execuções Sumárias

Relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apontou falhas graves e indícios de violações durante a "Operação Contenção". O documento técnico revelou que:

  • Menos da metade dos policiais do Bope e da Core utilizaram câmeras corporais durante a ação. O comandante do Bope, Marcelo Corbage, justificou que não havia baterias sobressalentes para os equipamentos, ainda que o planejamento inicial previsse uma operação de 5 a 6 horas, e não as 12 horas que durou.
  • Foram identificados ao menos dois casos de mortes com características "fora do padrão de confronto": um corpo com marcas de tiro à curta distância e outro com sinais de decapitação.

Esses achados levantam sérias dúvidas sobre a legalidade de parte das mortes e questionam a versão oficial de que todos os óbitos teriam ocorrido em confrontos. A promotoria sugeriu uma "análise minuciosa" das imagens disponíveis para esclarecer a dinâmica dos fatos.

A "Guerra às Drogas" como Justificativa Perene

A retórica do combate frontal ao tráfico não é nova no Rio. Há décadas, operações policiais de alto impacto são apresentadas como a solução para o crime organizado. No entanto, um artigo acadêmico ressalta que essa política, longe de ser um sucesso, é um fracasso histórico.

O texto argumenta que a chamada "guerra às drogas" no Rio, nas últimas décadas, tem se mantido inalterada e, paradoxalmente, mantém o funcionamento do crime organizado em suas várias esferas. A política de segurança que mata pobres – sejam policiais, moradores ou soldados do tráfico – é apontada como um engodo que justifica atrocidades sem resolver o problema de fundo.

Origens do Problema e a Falência de Modelos Puramente Repressivos

Para entender a perpetuação das facções, é preciso voltar ao seu surgimento. O Comando Vermelho (CV), a primeira facção brasileira, nasceu no final dos anos 1970, no presídio da Ilha Grande, de uma convivência forçada entre presos comuns e presos políticos da Ditadura Militar. Inspirados pela disciplina dos militantes de esquerda, os presos comuns começaram a se organizar coletivamente para reivindicar direitos e melhores condições carcerárias. Com a saída dos presos políticos após a anistia, esse movimento de justiça social inicial se transformou em uma organização armada.

Esse contexto histórico demonstra que o Estado não é um agente externo ao problema, mas teve participação ativa, direta ou indireta, na formação e consolidação das facções. Políticas públicas mal planejadas ou descontinuadas, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), frequentemente falharam em seu objetivo, deslocando a violência ou criando novos vácuos de poder.

Plano Federal: Uma Resposta em Curso e a Rejeição de Aliados

Em resposta à crise e às críticas, o governo Lula tem pressionado por uma agenda própria. O presidente determinou celeridade no envio ao Congresso de um projeto de lei antifacções e sancionou outra norma que prevê pena de prisão para quem planeja ataques contra autoridades.

Paralelamente, o Ministério da Justiça iniciou um projeto-piloto de combate ao crime organizado em Natal, Rio Grande do Norte, em uma área dominada pelo Comando Vermelho. A iniciativa, concebida antes da megaoperação no Rio, combina ocupação territorial com ações de cidadania e garantia de direitos, como mediação de conflitos e regularização fundiária. Curiosamente, o governo da Bahia, administrado por um aliado petista, recusou o projeto, enquanto o Rio Grande do Norte, também sob comando petista, topou participar.

O círculo vicioso da repressão e a suposta aprovação popular da violência

Analistas argumentam que o êxito de uma operação policial não deve ser medido pelo número de mortos, mas pela sua articulação com inteligência e investigação. Para eles, "alguma coisa está fora da ordem quando uma operação policial com 121 mortos (...) é aprovada pela maioria da população".

Segundo essa visão, a ausência de eficácia das políticas criminais centradas apenas na repressão gera uma demanda por mais punição, criando um círculo vicioso. A prioridade, defendem, deveria ser aprimorar o sistema penal para que criminosos graves sejam efetivamente punidos, combater o tráfico de armas e regulamentar atividades econômicas vulneráveis à infiltração do crime, em vez de simplesmente inventar novos tipos penais ou agravar penas.

Popularidade em Crivo: A Politização das Pesquisas Pós-Operação no Rio

Um fato inegável é passível de discussão: a insistência do "conglomerado de imprensa" em destacar majoritariamente pesquisas da Quaest e do Datafolha, que mostram o movimento favorável a Castro e desfavorável a Lula. A análise dos resultados de busca confirma a ampla divulgação desses dois institutos pelos principais veículos de comunicação, consolidando o plano maniqueísta de manipulação da opinião pública.

Essa aparente seletividade na cobertura jornalística, focando em institutos que convergem para uma mesma narrativa de fortalecimento de Castro e enfraquecimento de Lula, alimenta a tese de um "isolacionismo" planejado do Governo Federal. A omissão de eventuais pesquisas que mostrem cenários distintos priva o público de uma visão mais pluralista e matizada do cenário político, consolidando uma percepção específica que beneficia a oposição.

O momento eleitoral é inegável. O governador Castro, somente às vésperas de um pleito e no seu sétimo ano de governo, decide por uma ação de impacto sem precedentes. Movido pela nova popularidade, ele já anunciou que planeja novas operações semelhantes, visando sua campanha para o Senado Federal.

Retórica versus Improbidade

A questão central que se coloca é onde termina o legítimo combate ao crime e começa a "improbidade administrativa" na gestão da comunicação e da política. A enfatização de um conflito institucional, com pedidos que ignoram os ritos legais, associada a uma cobertura que parece privilegiar pesquisas específicas, cria um ambiente fértil para o maniqueísmo. A lição de casos internacionais, como o das Filipinas, sugere que o apoio conquistado na ponta do fogo pode ser efêmero e corrosivo, especialmente quando a violência estatal se torna muito visível.

O desafio para a imprensa e para as instituições democráticas é navegar neste terreno pantanoso, assegurando que a busca por segurança não sirva de justificativa para o atropelamento de garantias legais e para a manipulação da opinião pública. Isso, claro, somente será possível se - ou melhor, quando - a própria imprensa não fizer parte do plano.

Com informações de Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, Brasil de Fato, BBC, CartaCapital, CNN Brasil, Folha de S.Paulo, Gazeta do Povo, G1, O Globo, Quaest, UOL, The Conversation. ■