Proposta de combate ao crime organizado enfrenta resistência de ambos os lados do espectro político, e votação na Câmara é adiada em meio a críticas ao relatório do deputado Guilherme Derrite
O Projeto de Lei Antifacção, iniciativa do governo federal para endurecer o combate às organizações criminosas, tornou-se o centro de uma disputa política acirrada na Câmara dos Deputados. Com a votação adiada para terça-feira (18), o texto do relator Guilherme Derrite (PP-SP) é alvo de críticas tanto da base governista quanto da oposição, que ameaçam tumultuar a tramitação da matéria.
Os pontos de atrito no relatório
O governo federal, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, manifestou preocupação com versões sucessivas do relatório, apontando "retrocessos jurídicos e institucionais inaceitáveis". Três pontos são considerados particularmente problemáticos:
- Atuação da Polícia Federal: O governo critica propostas que limitariam a capacidade de investigação da PF, exigindo autorização de governadores para atuação nos estados, o que, na avaliação do Planalto, "beneficiaria organizações criminosas".
- Descriminalização financeira: Foram removidos instrumentos para "asfixiar financeiramente" as facções, como o perdimento extraordinário de bens de origem ilícita, medida essencial do projeto original.
- Figura penal da "facção criminosa": O relatório ignorou a proposta de criar esse novo tipo penal, que trataria especificamente de crimes organizados em escala empresarial.
O posicionamento das bancadas
O cenário no Congresso mostra insatisfação generalizada com o texto atual, unindo governo e oposição em críticas, ainda que por motivos distintos:
- PT é contra: O líder do partido na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou que a proposta "desmonta a política de descapitalização das facções" ao eliminar medidas cautelares especiais. "Com esse texto a gente está contra", declarou.
- PL quer mais tempo e mudanças: O Partido Liberal defende a equiparação de facções a grupos terroristas e o fim das audiências de custódia para criminosos reincidentes. O líder Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) disse que vai "trabalhar para adiar a votação até o início de dezembro".
Disputa política e contexto eleitoral
A discussão do projeto ganhou contornos de debate eleitoral, com o pano de fundo das eleições de 2026. O governo escalou ministros para rebater publicamente as teses da oposição, em uma estratégia coordenada para defender a proposta original.
O próprio relator, Guilherme Derrite, é secretário licenciado de Segurança Pública do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial adversário de Lula em 2026, o que adiciona tensão política à tramitação.
Problemas identificados por especialistas
Para analistas independentes, o projeto apresenta falhas estruturais que persistem mesmo após múltiplas revisões:
- Punitivismo excessivo: O endurecimento penal sem diferenciar papéis dentro das facções pode "agravam a superlotação e as falhas da execução penal, alimentando o problema que dizem combater", avalia Rodrigo Azevedo, professor da PUC-RS.
- Falta de controle na inteligência: A criação de bancos de dados sobre criminosos sem "órgão controlador, auditorias independentes ou mecanismos de transparência" preocupa especialistas em proteção de dados.
- Inconsistências jurídicas: Há risco de problemas de constitucionalidade e futura judicialização no STF, segundo avaliação do Ministério da Justiça.
Enquanto isso, o presidente da Câmara, Hugo Motta, mantém a confiança na aprovação do texto, afirmando que "confio que todos votarão a favor da matéria". O desfecho desta tramitação definirá não apenas os rumos do combate ao crime organizado, mas também o equilíbrio de forças políticas em um ano decisivo para o país.
Com informações de O Globo, Agência Câmara Notícias, G1, Fundação Perseu Abramo, Ministério da Justiça, CNN Brasil, Metrópoles, Agência Pública. ■