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Em uma decisão histórica que marca o desfecho inicial de uma batalha judicial de uma década, o Tribunal Superior de Londres condenou a mineradora anglo-australiana BHP pela sua responsabilidade no rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro de 2015, o maior desastre socioambiental da história do Brasil.
A sentença, divulgada em 14 de novembro de 2025, representa a primeira condenação formal de uma das controladoras da Samarco, empresa que operava a barragem. A ação coletiva movida na Inglaterra é uma das maiores da história do sistema legal inglês, envolvendo um número extraordinário de autores.
Em sua decisão de 222 páginas, a juíza Finola O'Farrell foi contundente ao afirmar que a BHP não deveria ter continuado a aumentar a altura da barragem antes de seu colapso, procedimento que foi "uma causa direta e imediata" da tragédia. O tribunal identificou provas incontestáveis de que a barragem era instável e que o risco de liquefação e ruptura era previsível e evitável.
Documentos técnicos e depoimentos apresentados durante o julgamento revelaram que a empresa recebeu "sinais de alerta" sobre a estabilidade da barragem pelo menos seis anos antes do rompimento. Uma rachadura identificada em agosto de 2014 foi considerada por especialistas como "evidência de falha iminente do próprio talude". Apesar dos alertas, a mineradora falhou em suspender as operações e reavaliar a integridade da estrutura de forma mais rigorosa.
O processo judicial no Reino Unido foi iniciado em 2018, motivado pelo fato de a BHP ter capital aberto na Bolsa de Londres na época do desastre. A mineradora tentou, em várias instâncias, impedir a continuidade da ação, argumentando que o caso duplicava os procedimentos de reparação já em andamento no Brasil. Em 2022, a corte inglesa decidiu que tinha competência para julgar o caso, abrindo caminho para o julgamento de responsabilidade, que ocorreu entre outubro de 2024 e março de 2025.
Paralelamente, no Brasil, o cenário jurídico é distinto. O principal processo criminal relacionado ao desastre ainda não tem uma decisão definitiva, e parte das acusações já prescreveu. Em novembro de 2024, a Justiça Federal absolveu a Samarco, a Vale, a BHP e todos os réus individuais, decisão que foi contestada pelo Ministério Público Federal e aguarda julgamento de recurso.
A condenação define a responsabilidade da BHP, mas o valor final das indenizações ainda será determinado. O processo avança agora para a fase de avaliação individual dos danos, com previsão para início em outubro de 2026. A expectativa é de que o cálculo caso a caso dos impactos econômicos, sociais e ambientais possa estender o processo por mais alguns anos.
A BHP já anunciou que pretende recorrer da decisão e reiterou seu compromisso com as ações de reparação no Brasil. A empresa destacou que mais de 610 mil pessoas já foram indenizadas no país, incluindo aproximadamente 240 mil dos autores da ação coletiva no Reino Unido, e que a decisão inglesa confirmou a validade desses acordos, o que deve reduzir o tamanho e o valor das reivindicações em Londres.
A Vale, que é sócia da BHP na Samarco e não integra diretamente a ação em Londres, possui um acordo societário para dividir igualmente os custos de eventuais indenizações. Em outubro de 2024, as mineradoras também firmaram um acordo de R$ 170 bilhões com autoridades brasileiras para a repactuação das reparações.
Para as vítimas e seus representantes legais, a decisão britânica é um marco. "Esta decisão envia um recado claro para multinacionais no mundo todo. Não é possível ignorar o dever de cuidado e simplesmente se afastar da destruição causada", declarou Alicia Alina, CEO do escritório Pogust Goodhead, que representa os autores. A sentença estabelece um precedente significativo para a litigância transnacional, reforçando que grandes corporações podem ser responsabilizadas em seus países de origem por danos causados em outras nações.
Com informações de: BBC.com, Business & Human Rights Resource Centre, CicloVivo, G1.globo.com, Noticias.uol.com.br, Publico.pt, The Guardian, lexlegal.com.br ■