Siga nossas redes sociais | ![]() | Siga nossos canais |
Em uma decisão considerada histórica, a União Europeia (UE) chegou a um acordo para proibir todas as importações de gás da Rússia até 2027, fechando um capítulo de décadas de dependência energética. No entanto, este marco decisivo convive com um paradoxo: no coração econômico da Europa, parlamentares alemães de partidos influentes ainda cogitam publicamente um retorno ao gás russo num futuro pós-guerra, expondo uma profunda divisão interna sobre o caminho energético e de segurança do continente.
O acordo político provisório, anunciado em dezembro de 2025, estabelece um cronograma gradual e irreversível para eliminar o gás natural russo, seja via gasoduto ou na forma de Gás Natural Liquefeito (GNL). A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou que esta medida marca “o amanhecer de uma nova era, a da independência energética total da Europa em relação à Rússia”.
Os prazos foram estabelecidos da seguinte forma, diferenciando tipos de contrato:
A dependência europeia já havia caído drasticamente: a participação do gás russo nas importações do bloco reduziu-se de 45% em 2021 para cerca de 19% em 2024. O comissário europeu para a Energia, Dan Jørgensen, foi categórico: “Mesmo quando houver paz, não voltaremos a comprar gás russo”.
A posição oficial do governo alemão atual é de apoio ao desligamento. O Ministério da Economia, sob o comando do verde Robert Habeck, afirmou que “a independência em relação ao gás russo é de importância estratégica e de defesa para o governo alemão, e ele a manterá”. No entanto, essa posição não é unânime no espectro político que deve formar o próximo governo.
Parlamentares da União Democrata Cristã (CDU), partido do provável futuro chanceler Friedrich Merz, expressaram visões diametralmente opostas. O deputado Thomas Bareiss saudou negociações que poderiam reabrir os gasodutos Nord Stream sob controle norte-americano, comentando: “Quando a paz estiver restaurada... as relações vão se normalizar... e, claro, o gás vai voltar a fluir”. Outro colega de partido, Jan Heinisch, afirmou que, em caso de uma paz justa, “devemos ter a permissão de voltar a falar de comprar gás russo”.
Esta postura encontra eco na ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e toca em um passado pró-Rússia intrincado, especialmente do Partido Social-Democrata (SPD). Especialistas alertam para os riscos dessa ideia. Claudia Kemfert, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, afirma que “seria desastroso voltar a ser dependentes de um agressor – geopoliticamente, seria irresponsável”.
O debate ocorre em um cenário de custos energéticos elevados e uma transição em curso. A Alemanha tem a eletricidade mais cara para famílias na Europa, a €38,4 por 100 kWh no primeiro semestre de 2025. Para aliviar a indústria de alto consumo, como a siderúrgica, o governo anunciou a redução do preço da eletricidade a partir de 2026, um apoio que pode custar €4,5 bilhões ao orçamento federal.
Paralelamente, a “Energiewende” (transição energética) avança: 63% da eletricidade do país já vem de fontes renováveis, com a energia solar e eólica se tornando significativamente mais baratas que o gás natural. Michael Rodi, professor de direito energético, questiona a lógica de retomar o gás russo: “se a transição energética for um sucesso, não haverá grandes mercados para o gás russo”.
O acordo da UE não foi unânime. Hungria e Eslováquia, cujos governos mantêm laços próximos com Moscou, anunciaram que vão contestar a medida no Tribunal de Justiça da União Europeia. A Hungria, em particular, ainda depende fortemente de contratos de longo prazo com a Gazprom e tem o preço final do gás mais baixo da UE.
No curto prazo, analistas preveem que a eliminação total do gás russo pode gerar volatilidade nos preços, por exigir maior recurso ao GNL, que é mais caro que o gás por gasoduto. No entanto, o mercado europeu de gás já reagiu com relativa tranquilidade ao anúncio, e a expectativa é de estabilização após 2027, com preços “abaixo dos picos de 2022, mas estruturalmente mais altos do que na década de 2010”.
Países como Portugal, que pouco dependem do gás russo, sentirão um impacto mínimo, servindo como exemplo de como a diversificação geográfica e de fontes é possível.
Com informações de: O Globo, Euronews, ECO (SAPO), Deutsche Welle (DW), UOL, GaúchaZH, Forbes Portugal■