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Extrema-direita usa massacre no Rio em projeto intervencionista
Megaoperação policial com 121 mortos e proposta para classificar facções como "terroristas" colocam em foco a estratégia de segurança pública e suas conexões com a política externa dos EUA
Analise
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■   Bernardo Cahue, 03/11/2025

O Brasil vive um momento crítico no debate sobre segurança pública, soberania e a influência de potências estrangeiras. Dois eventos recentes e interligados – uma megaoperação policial no Rio de Janeiro e a tramitação de um projeto de lei no Congresso Nacional – reacenderam discussões sobre a eficácia e as reais intenções por trás das políticas de combate ao crime organizado. Enquanto o governo federal aposta em um novo marco legal para endurecer penas, setores da oposição, alinhados ao discurso do ex-presidente norte-americano Donald Trump, defendem uma abordagem que, na visão de especialistas, poderia abrir portas para intervenções militares estrangeiras em território brasileiro.

A "Operação Contenção" no Rio: Números, Críticas e o Contexto da Letalidade

Na última terça-feira, 28 de outubro, uma megaoperação batizada de "Operação Contenção" mobilizou 2.500 policiais civis e militares nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. O saldo oficial foi de 121 mortos, sendo 117 classificados pelas autoridades como "narcoterroristas" e quatro policiais. A ação, descrita como a mais letal da história do estado, foi marcada por confrontos intensos em áreas de mata, resgates dramáticos de policiais feridos e a rendição de alguns suspeitos.

Os números detalhados pela Polícia Civil revelam que, das 115 vítimas já identificadas, 97 tinham passagem pela polícia e 88 possuíam anotações criminais. Um dado que chamou a atenção foi a alta proporção de pessoas de outros estados: 54% dos identificados eram de fora do Rio de Janeiro, com destaque para Pará, Amazonas e Bahia. A polícia afirmou que 17 dos mortos não tinham histórico criminal, mas que, desses, 12 apresentavam "indícios de participação no tráfico em suas redes sociais".

A operação, no entanto, foi alvo de fortes críticas. O Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas afirmou estar "horrorizado" com a letalidade, enquanto o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União cobraram explicações do governador Cláudio Castro sobre o cumprimento de regras estabelecidas pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das Favelas. Em uma fala emblemática, o próprio governador chegou a chamar a ADPF de "maldita", alegando que a medida do Supremo limitava a ação policial.

O Projeto de Lei e a Sombra do Intervencionismo Norte-Americano

Em paralelo à operação no Rio, avança no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1283/2025, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), que tem como relator o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). A proposta busca alterar a Lei Antiterrorismo para incluir facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) na categoria de organizações terroristas.

O texto, que já teve a urgência aprovada, é defendido por seus proponentes como necessário para enfrentar uma ameaça que vai além do crime comum. "Vamos ver quem é a favor da bandidagem", publicou Nikolas Ferreira em suas redes sociais. Entretanto, analistas e ex-autoridades governamentais enxergam riscos que ultrapassam a esfera da segurança interna.

Especialistas ouvidos pela Agência Pública alertam que a proposta, ao adotar a mesma terminologia – "narcoterrorismo" – utilizada pelo governo Trump, poderia facilitar uma intervenção militar dos Estados Unidos no Brasil. Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, vê no projeto uma "falsa compreensão do que seja terrorismo, permitindo intervenções estrangeiras". O juiz Marcelo Semer complementa: "Não sejamos ingênuos: tratar todos como terroristas vai facilitar, e muito, a posição dos Estados Unidos, que se arroga como a polícia universal".

Esse temor não é infundado. O governo Trump já ampliou sua presença militar no Caribe e realizou ataques a embarcações sob a justificativa de combater "narcoterroristas" na Venezuela. A classificação de grupos como PCC e CV como terroristas criaria um precedente legal e político para que ações semelhantes fossem direcionadas ao Brasil, sob o argumento de combate a uma ameaça transnacional.

As Medidas do Governo Federal e a Resistência à Narrativa da Extrema-Direita

Em contraponto ao projeto de Nikolas Ferreira, o governo Lula enviou ao Congresso o seu próprio Projeto de Lei Antifacção, que também propõe o endurecimento de penas para crimes ligados ao crime organizado, mas sem a classificação como terrorismo. A proposta do Executivo prevê, entre outros pontos:

  • Penas de 12 a 30 anos para homicídios cometidos por ordem ou em benefício de facções.
  • Criação de um Banco Nacional de Facções Criminosas.
  • Fortalecimento de instrumentos para apreensão de bens e estrangulamento do poder econômico das organizações.
  • Facilitação da infiltração de agentes e do monitoramento de comunicações em casos de ameaça à vida.

Além disso, o presidente Lula já sancionou uma lei que amplia as penalidades para quem faz parte ou protege facções criminosas, incluindo a previsão de prisão provisória em penitenciárias de segurança máxima. Esta abordagem refuta a narrativa de "negação do governo federal" no combate ao crime, mostrando uma estratégia que busca ser robusta, mas dentro do marco legal brasileiro, sem adotar terminologias que possam ser exploradas para fins intervencionistas.

A postura do governo Lula tem sido clara em diferenciar crime organizado de terrorismo. Em maio, o presidente afirmou que esses são problemas distintos e "não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional" , uma mensagem que foi repassada a emissários dos Estados Unidos.

Conclusão: Um Momento de Definição para a Segurança e a Soberania

Os eventos recentes – a megaoperação no Rio e a disputa legislativa em torno do enquadramento das facções – ilustram um divisor de águas na política de segurança pública brasileira. De um lado, há uma visão que prioriza a letalidade e se alinha a conceitos e estratégias promovidos pelo governo Trump, com riscos potenciais à soberania nacional. Do outro, há uma proposta de endurecimento penal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que busca combater o crime organizado sem criar brechas para intervenções externas.

O desfecho desse embate definirá não apenas a eficácia no combate ao crime, mas também a capacidade do Brasil de determinar sua própria política de segurança, livre de ingerências estrangeiras. A classificação de facções como "terroristas" pode parecer, à primeira vista, apenas uma mudança semântica, mas suas implicações geopolíticas são profundas e podem alterar de forma permanente o lugar do Brasil no mundo.

Com informações de Agência Brasil, BBC, CNN Brasil, Fantástico, Jornal do Brasil, Revista Opera, Roraima Em Tempo, Senado Federal, Veja. ■