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Penha e Alemão serviram de palco para a extrema direita
Megaoperação no Rio que matou 121 pessoas é peça de reposicionamento eleitoral e aceno a Trump, em meio a tentativas de classificar facções como "terroristas" e divulgação de pesquisas de opinião
Analise
Foto: https://tvprefeito.com/wp-content/uploads/2025/11/17617484716xxxxx-1024x683.jpg
■   Bernardo Cahue, 02/11/2025

A "Operação Contenção", deflagrada em 28 de outubro de 2025 no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas – 117 suspeitos e quatro policiais –, transcendeu desde seu planejamento o objetivo declarado de combater o Comando Vermelho (CV). A ação, qualificada por colunistas como uma "chacina" e uma "caçada humana", insere-se em um cálculo político mais amplo da extrema direita brasileira. Esta análise revela como o evento foi instrumentalizado como palco, contando com aparelhamento do judiciário do Estado do Rio de Janeiro, para um projeto de poder audacioso que envolve o endurecimento do discurso de segurança, a abertura à intervenção norte-americana e a criação de um front unificado de governadores contra o Governo Lula, tudo a menos de um ano das eleições presidenciais de 2026.

O "sucesso" da chacina e a máquina eleitoral

O governador Cláudio Castro (PL-RJ) comemorou a operação como um "sucesso" antes mesmo do balanço final, em uma declaração que ecoa a avaliação de especialistas de que a ação tinha um caráter performático. Para analistas, a operação mais letal da história do Brasil não foi um acidente, mas um evento com "elevada rentabilidade eleitoral". Jacqueline Muniz, professora de segurança pública da UFF, explica a dinâmica: "Matança tem elevada rentabilidade eleitoral. Por que aqueles expostos à morte votam no matador? Quanto maior o medo, maior o desejo por uma solução imediata". Pesquisas de opinião que apontam aprovação majoritária da operação entre fluminenses reforçam a tese de que o tema é uma moeda política valiosa.

Esse reposicionamento é particularmente crucial para a direita após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo Frederico Castelo Branco, pesquisador da USP, a megaoperação "é uma oportunidade para o campo bolsonarista se rearticular, retomando a relevância no debate político, com Bolsonaro condenado e Lula em um momento positivo". A operação, portanto, não é um fim em si mesma, mas um combustível para a campanha de 2026, na qual Castro é cotado para o Senado e outros governadores de direita podem concorrer à Presidência.

O aceno a Trump e a agenda do "terrorismo"

Paralelamente à ação policial, avança no Congresso uma articulação legislativa que sinaliza uma perigosa abertura à ingerência internacional. O Projeto de Lei 1283/2025, relatado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e com autoria de Danilo Forte (União Brasil-CE), busca classificar facções criminosas como o PCC e o CV como organizações "terroristas". Especialistas alertam que a proposta, que cita nominalmente o "governo Trump" como modelo, cria um precedente legal que facilita intervenções militares dos Estados Unidos no Brasil.

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão vê na proposta uma "falsa compreensão do que seja terrorismo, permitindo intervenções estrangeiras". A sintonia com a agenda trumpista não é coincidência. O presidente dos EUA tem uma política de usar a classificação de "narcoterrorista" para justificar operações militares na América Latina, como já fez na Venezuela e Colômbia. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) deixou clara a admiração por essa abordagem. Em resposta a uma publicação do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, sobre um ataque a um barco, Flávio escreveu: "Que inveja! Ouvi dizer que existem barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?". O convite explícito para uma intervenção militar estrangeira evidencia o alinhamento ideológico e o risco calculado à soberania nacional.

A guerra federativa e a encenação do conflito

O governador Castro construiu meticulosamente um embate com o governo federal, apresentando o estado como "sozinho" numa "guerra". Ele afirmou que as Forças Armadas negaram três pedidos de apoio com blindados, culpando a exigência de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) do presidente Lula. No entanto, o Ministério da Justiça rebateu, afirmando que os pedidos do Rio foram atendidos, e o ministro Ricardo Lewandowski destacou que contatos para uma operação desse nível deveriam vir de "autoridades de hierarquia mais elevada", e não do "segundo ou terceiro escalão".

Essa negativa de diálogo direto com o Ministério da Justiça e a tentativa de obter aval diretamente com o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro - pulando as etapas legais, diga-se de passagem - sugere uma manobra para criar uma crise política artificial. A encenação do conflito atingiu seu ápice com a criação do "consórcio da paz", reunindo governadores de sete estados, majoritariamente de direita, como Romeu Zema (MG), Tarcísio de Freitas (SP) e Ronaldo Caiado (GO). O consórcio foi anunciado como uma alternativa à proposta do governo federal, com Castro acusando o Planalto de tentar tirar a "autonomia dos estados". Caiado foi mais longe, classificando a PEC da Segurança do governo Lula como um assunto "fake". A estratégia é clara: isolar o governo federal e posicionar os governadores de direita como os verdadeiros garantes da ordem.

A estratégia que envolve a divulgação de pesquisas na imprensa

O plano de reforço da extrema direita, não somente no âmbito da Operação Contenção como na divulgação de dados minimamente questionáveis - cita-se aqui a estratégia de criação de pesquisas na internet baseada em cookies, capazes de frear a entrega da pesquisa a quem "votou na esquerda" na primeira pesquisa (estratégia perfeitamente possível a níveis de programação) - e posteriores a pesquisas de outros institutos, passa por um nome em comum: Felipe Nunes.

O empresário citado é dono da Quaest Investimentos e responsável pela gestão da Quaest Pesquisa e Consultoria, além de sócio do grupo Folha de S. Paulo que, por sua vez, também mantem o Instituto Datafolha. Essas duas organizações, alinhadas com o instituto Paraná Pesquisas, são as únicas organizações que assinam as pesquisas de intenção de voto presidenciais indicando empates técnicos entre o presidente Lula e outro candidato de direita no primeiro turno das eleições. Outros institutos como IPSOS (antigo IBOPE) e Atlas mostram outro cenário bem diferente, apontando vitória logo no primeiro turno do petista.

Felipe Nunes tem sido uma peça crucial na manutenção de fôlego da extrema direita junto ao conglomerado de imprensa, que ultimamente tem tentado também conter o afogamento dessa banda política em diversos escândalos, seja na CPMI do INSS, seja junto ao TSE, seja nos trâmites processuais do STF, em âmbitos diversos. O próprio governador Claudio Castro é citado em escândalo, no tocante à sua atuação para liberação do funcionamento da refinaria de Manguinhos, que havia sido interditada por suspeita de envolvimento com o PCC.

O prenúncio de um projeto de poder

A articulação em torno da "Operação Contenção" não é um fato isolado, mas a peça mais visível de um projeto de poder. Como analisa Felipe Brito, docente da UFF, "'Tocar o terror' e empilhar cadáveres (seletivamente) são mais do que bandeira política: viram eixo de governança" para a extrema direita. O campo conservador-bolsonarista, abalado pela prisão de Bolsonaro, tenta agora uma articulação internacional, e a pauta da segurança vira moeda de troca, pois é onde o governo Trump olha com mais atenção.

Nesse contexto, a postura de figuras como Flávio Bolsonaro, que expressa publicamente sua "inveja" da política externa intervencionista de Trump, deixa de ser mera bravata e se torna um prenúncio perigoso. A classificação de grupos criminosos como terroristas, somada ao convite para que os EUA atuem no território brasileiro, desenha um cenário onde a solução belicista e a abdicação da soberania são apresentadas como únicas saídas possíveis. A "Operação Contenção" foi, assim, tanto a conclusão lógica dessa visão quanto o seu mais potente combustível político.

Com informações de: Blog da Boitempo, Brasil de Fato, CNN Brasil, O Globo, O Tempo, Agência Pública. ■