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Uma disparidade estratégica no combate ao narcotráfico está se desenhando no Hemisfério Ocidental. De um lado, os Estados Unidos, sob a administração Trump, intensificam uma campanha militarizada no Caribe, marcada por embarcações afundadas e baixas civis. Do outro, nações latino-americanas, como México e Cuba, apesar de suas profundas diferenças ideológicas e políticas, coordenaram-se em uma operação policial que resultou na captura e extradição de Zhi Dong Zhang, o "Brother Wang", aos Estados Unidos, preso acusado de ser uma peça-chave no tráfico internacional de fentanilo. Este contraste levanta questões sobre a efetividade real e as consequências de uma abordagem beligerante frente a uma baseada em inteligência e cooperação judicial.
A eficácia da colaboração internacional foi demonstrada na prisão do suposto capo chinês Zhi Dong Zhang, conhecido como "Brother Wang". Sua organização é acusada de lavar aproximadamente US$ 20 milhões através de uma centena de empresas de fachada e ser o elo crucial entre os cartéis mexicanos e os fornecedores de precursores químicos na China. Sua captura foi um processo complexo que envolveu múltiplas nações:
Esta operação bem-sucedida evidencia que, mesmo com um governo de esquerda no México – que publicamente rejeita o retorno da "guerra contra as drogas" – e com Cuba historicamente sob fortes sanções dos EUA, a cooperação pragmática para desmantelar redes criminosas transnacionais é possível e pode produzir resultados tangíveis.
Paralelamente à operação contra "Brother Wang", os Estados Unidos adotaram uma postura radicalmente diferente. O governo Trump autorizou a CIA a realizar operações na Venezuela e iniciou uma significativa escalada militar no Caribe. Esta mobilização inclui:
Especialistas questionam a legalidade desses ataques e a narrativa oficial de que se trata apenas de uma guerra contra o narcotráfico. Analistas ouvidos pela BBC afirmam que todos os sinais sugerem uma campanha de intimidação com o objetivo final de remover o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, do poder – uma "mudança de regime". Christopher Sabatini, do Chatham House, é enfático: "Não se trata de drogas. Mas ele [Trump] se apropriou da linguagem da oposição venezuelana de que esta não é apenas uma ditadura — é um regime criminoso".
Além disso, essas operações militares têm um custo humano direto. Relatos dão conta da morte de um pescador colombiano e de um guarda-costeiro venezuelano durante esses ataques, além da soltura de um sobrevivente equatoriano por falta de provas e ausência de delitos, levantando sérias preocupações sobre a precisão das informações e o respeito aos direitos humanos.
O contraste entre as duas abordagens é gritante. Enquanto a ação coordenada México-Cuba-EUA contra "Brother Wang" desmantela um nó crítico na rede global de tráfico de drogas, a ofensiva militar americana no Caribe é vista por muitos como ineficaz e desproporcional. Dados da própria agência antidrogas dos EUA (DEA) indicam que a Venezuela não é um grande produtor de cocaína e que a rota do Caribe não é a principal para o tráfico, comparada ao Oceano Pacífico. Além disso, a denúncia de Jordan Goudreau, um ex-boina verde das Forças Especiais dos EUA e responsável pela "Operação Gedeon" que fracassou em 2020 na tentativa de incursão à Venezuela durante o primeiro governo de Trump, dão conta de que a CIA criou o "Cartel de los Soles" em conjunto com a guarda costeira venezuelana na gestão de Rafael Caldera, em 1993; na ocasião, o "Cartel" era responsável pelo transporte e abastecimento de cocaína, principalmente, ao estado da Flórida. Fato, esse histórico sombrio, aliado à autorização por Trump de operações da CIA na Venezuela, reacende as altas suspeitas de os EUA lutarem não pelo fim do narcotráfico, mas por sua manutenção para o leste do país.
Enquanto isso, o governo mexicano afirma que o tráfico de fentanilo para os EUA caiu 50% desde o início da gestão da presidente Claudia Sheinbaum, graças a uma estratégia focada em apreensões e destruição de laboratórios, e não em confrontos militares.
As motivações por trás da estratégia dos EUA parecem se estender para além do combate às drogas. Especialistas consultados pela CNN Brasil avaliam que Trump pode estar interessado em uma mudança de regime na Venezuela por razões geopolíticas e de política interna, inclusive para se consolidar como um "homem forte" e limpar sua própria biografia política. O pesquisador Marcos Sorrilha, da Unesp, vai além, sugerendo que uma solução para a questão venezuelana poderia credenciar Trump a um Prêmio Nobel.
Em um momento de tensão crescente, a pergunta que fica é: qual modelo de combate ao narcotráfico realmente serve aos interesses dos povos das Américas? A cooperação judicial e policial, como demonstrado no caso "Brother Wang", ou uma nova "guerra eterna" que, nas palavras do próprio Maduro em um apelo em inglês, seria uma "crazy war" – uma guerra louca?
Com informações de: BBC, CNN Brasil, DW, Goias246, Swissinfo. ■