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O escárnio dos Bolsonaros continua
Deputado fantasma, vereador fantasma, ex-primeira-dama anti-diplomática, farsante ideológico e senador pró-terror fazem parte do elenco de uma novela com financiamento público que já deveria ter acabado: "Éramos seis"
Analise
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■   Bernardo Cahue, 24/10/2025

Enquanto o Brasil debate seus dramas reais, a família Bolsonaro insiste em protagonizar um reality show político, onde as fronteiras entre a tragédia e a farsa se dissolvem diariamente. O palco é vasto, indo dos corredores de Brasília aos salões de Washington, e o roteiro, uma sucessão de escárnios que tratam as instituições e a população como meros figurantes.

O Deputado Fantasma e a Blindagem Previsível

Na Câmara dos Deputados, a ética foi posta à prova e saiu derrotada. Por 11 votos a 7, o Conselho de Ética arquivou o processo de cassação contra Eduardo Bolsonaro, que era acusado de atuar para "desestabilizar instituições republicanas" ao incentivar sanções dos EUA contra o Brasil. O relator, deputado Delegado Marcelo Freitas, defendeu o arquivamento como uma questão de defender o "sagrado direito de se manifestar", sendo aplaudido de pé pela bancada bolsonarista. Do outro lado, a oposição classificou a decisão como uma "vergonha" e uma "blindagem". Enquanto isso, o deputado, confortavelmente instalado nos Estados Unidos, acumula prejuízos para a diplomacia brasileira e 37 faltas não justificadas ao seu trabalho. Para escapar da cassação por ausência, ele precisaria de um milagre: comparecer a mais 60 sessões até o fim do ano, um número impossível de ser alcançado dado o calendário legislativo. O mandato, portanto, sobrevive por um fio, sustentado por manobras políticas e uma farsa de representatividade.

Como Votou o Conselho de Ética

  • A Favor do Arquivamento (11 votos): Cabo Gilberto Silva (PL-PB), Domingos Sávio (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Delegado Fabio Costa (PP-AL), Julio Arcoverde (PP-PI), Gilson Marques (NOVO-SC), Albuquerque (REPUBLICANOS-RR), Delegado Marcelo (União-MG), Fausto Jr. (União-AM).
  • Contra o Arquivamento (7 votos): Dimas Gadelha (PT-RJ), João Daniel (PT-SE), Maria do Rosário (PT-RS), Ricardo Maia (MDB-BA), Castro Neto (PSD-PI), Josenildo (PDT-AP), Chico Alencar (PSOL-RJ).

O Senador e a "inveja" dos mísseis

Na quinta-feira, 23 de outubro de 2025, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) deu um passo que transcendeu a mera polêmica para adentrar o terreno da afronta à soberania nacional. Em suas redes sociais, dirigiu-se diretamente a Pete Hegseth, secretário de Defesa do governo Donald Trump, após este publicar um vídeo comemorando um ataque militar norte-americano que destruiu um barco no Oceano Pacífico, ação que resultou na morte de três pessoas identificadas como "narcoterroristas".

Flávio não se limitou a comentar o fato. Em inglês, expressou "inveja" da operação estrangeira e, em seguida, lançou a sugestão catastrófica: "Ouvi dizer que há barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?". A declaração, feita por um parlamentar que integra a Comissão de Segurança Pública do Senado, é um escárnio de múltiplas dimensões:

  • Afrouxamento soberano: Um representante eleito pelo povo brasileiro chega ao cúmulo de solicitar intervenção militar estrangeira em águas territoriais do Brasil, tratando o país como uma nação falida incapaz de resolver seus próprios problemas. Especificamente, desqualifica todo o trabalho ostensivamente cumprido com dificuldade pelas instituições brasileiras de segurança – polícias civis, militares e federal, além das guardas metropolitanas.
  • Incentivo à violência: Os ataques mencionados por Hegseth, que supostamente visam traficantes, já são alvo de críticas internacionais. O governo americano não tem apresentado provas de que as embarcações atacadas carregavam drogas ou de que todos os mortos eram "terroristas", tendo essas operações resultado em mais de 30 vidas perdidas no Caribe. Flávio Bolsonaro, portanto, sugere trazer para a Baía de Guanabara uma política de execuções sumárias sem devido processo legal.
  • O possível embate com Carlos Minc: A postura do senador coloca-o em rota de colisão direta com a luta histórica de figuras como o deputado fluminense Carlos Minc. Enquanto Minc é um conhecido defensor do meio ambiente e articulador junto a pescadores artesanais – grupo que poderia ser diretamente vitimado por uma política de ataques indiscriminados no mar –, Flávio Bolsonaro defende uma solução militarizada e externa, que ignora por completo os direitos das comunidades locais e a complexidade social do problema das drogas.

A repercussão nas redes sociais foi imediata e majoritariamente de repúdio. Internautas questionaram: "O cara tá pedindo bombardeio na orla carioca?", "Tu és congressista eleito pelo povo. Trabalhe PELO BRASIL, e não contra ele", e até mesmo um declarado apoiador de Jair Bolsonaro estranhou a mensagem, escrevendo: "Sou Bolsonaro (o Pai) até o fim, mas este tipo de mensagem não me agrada".

O vereador que virou nômade político

Enquanto Flávio Bolsonaro convidava potências estrangeiras para intervir no território nacional, seu irmão Carlos Bolsonaro orquestrava sua própria fuga estratégica. Após quase três décadas como vereador do Rio de Janeiro, Carlos oficializou sua candidatura ao Senado por Santa Catarina, estado onde adquiriu residência fixa em 2023. A manobra, registrada em junho de 2024, representa o abandono consciente do município que o elegeu consecutivamente desde 2000.

O cálculo é transparente: Santa Catarina consolidou-se como fortaleza bolsonarista e oferece um colégio eleitoral mais favorável que o Rio de Janeiro. Enquanto preparava sua mudança, Carlos já dava mostras de seu descompromisso com a cidade: em 2023, foi o vereador com menor produtividade legislativa da Câmara carioca, apresentando apenas dois projetos - ambos de caráter simbólico. Seu gabinete no Rio tornou-se praticamente inoperante, enquanto o político focava suas energias em construir bases em Santa Catarina, onde já foi fotografado em eventos locais ao lado de apoiadores, e inclusive vaiado dentro de um shopping.

A Cruzada Retórica de Michelle

Em um evento do PL Mulher em Rio Verde (GO), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro decidiu que a arena do debate político não era suficiente. Transportou a discussão para o campo da fé e das relações internacionais, em um discurso que misturou religião, política externa e ataques pessoais. Durante o encontro, no sábado, 11 de outubro de 2025, Michelle não poupou críticas ao presidente Lula e à primeira-dama Janja, referindo-se a eles como "um casalzinho que demoniza Israel".

A estratégia por trás das palavras vai além do ataque casual. Michelle, que é presidente nacional do PL Mulher, utilizou um tom profundamente religioso para questionar a ida do casal presidencial a igrejas, acusando-os de tentar "enganar o povo cristão". Seu apelo para que os apoiadores "abram os olhos espirituais" e percebam que "a mentira está dentro desse povo" foi amplamente reproduzido por veículos de imprensa, mostrando a consolidação de seu papel como uma das vozes mais fortes da extrema-direita.

Analistas políticos veem nesse posicionamento mais do que simples ataques. O PL Mulher tem sido a plataforma de Michelle para se inserir ativamente na política e angariar apoio do eleitorado evangélico, grupo historicamente refratário ao bolsonarismo, mas crucial para qualquer projeto eleitoral da família. Não por acaso, sua atuação a tem colocado na lista de possíveis candidatas ou vice em uma eventual chapa para as eleições de 2026.

O peso do nome: uma crônica sobre Jair Renan Bolsonaro

Enquanto a família Bolsonaro mantém seu protagonismo no noticiário nacional, Jair Renan, o "04", escreve seu próprio capítulo, uma narrativa que mistura o tribunal com o plenário, as acusações de fraude com os embates políticos. Sua trajetória recente é um retrato de como o sobrenome pode ser tanto um escudo quanto um alvo, e de como um mandato parlamentar pode ser exercido entre o sigilo processual e a provocação pública.

O Processo Sob o Véu do Sigilo

Na Justiça do Distrito Federal, o processo contra Jair Renan Bolsonaro segue envolto em segredo de justiça, uma cortina que impede o acesso público aos seus detalhes, mas não ao seu andamento. Conduzido pela 5ª Vara Criminal de Brasília, o caso encontra-se atualmente na fase de instrução, etapa crucial em que são ouvidas testemunhas, colhidos depoimentos e juntados documentos que formarão a base para o futuro julgamento. Tanto o Ministério Público do DF quanto o Tribunal de Justiça local confirmaram o sigilo, justificando-o como necessário para preservar a investigação, uma vez que os autos ainda estão em andamento.

O núcleo da acusação, que levou o Ministério Público a denunciá-lo e a Justiça a aceitar a denúncia, gira em torno de supostos crimes de lavação de dinheiro, falsidade ideológica e uso de documento falso. As investigações apontam que Jair Renan e seu instrutor de tiro, Maciel Alves, forjaram o faturamento de sua empresa, a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia (também conhecida como RB Eventos e Mídia), para obter empréstimos junto ao banco Santander. Segundo as apurações, documentos apresentados ao banco inflavam o faturamento real da empresa para R$ 4,6 milhões em um período de um ano, um valor que, de acordo com as autoridades, nunca existiu. A fraude teria ocorrido entre 2021 e 2022, antes de ele assumir o mandato de vereador.

Os Vérsares da Acusação

  • Os Crimes: Lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e uso de documento falso.
  • A Fraude: Adulteração do faturamento da empresa RB Eventos e Mídia para simular um faturamento anual de R$ 4,6 milhões e assim obter empréstimos bancários.
  • Os Valores: Foram três operações de crédito: uma de R$ 157 mil, outra de R$ 250 mil e uma terceira de R$ 291 mil. A dívida pendente chegou a R$ 360 mil, valor que a Justiça já determinou que seja pago.
  • O Andamento: O processo é sigiloso e está na fase de instrução na 5ª Vara Criminal de Brasília.

O Vereador e a Arena Política

Enquanto o processo judicial tramita em Brasília, Jair Renan exerce seu mandato em Balneário Camboriú (SC) de maneira beligerante. Sua passagem pela Câmara Municipal tem sido marcada por votos solitários e embates verbais. Foi o único a votar contra a criação do "Dia da Democracia" no município e também contra um projeto da prefeita Juliana Pavan (PSD) que visava combater o furto de fios.

Quando a prefeita sugeriu publicamente que ele precisava "ler mais os projetos" e buscar "capacitação" para atuar na Casa, a resposta do vereador foi na moeda da ofensa: chamou-a de "analfabeta funcional" e insinuou que isso seria "ruim de esquerdista". Para além dos muntos do legislativo municipal, Jair Renan também direcionou suas críticas a figuras nacionais da direita. Em suas redes sociais, lançou um recado contundente aos governadores Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Júnior (PR) e Ronaldo Caiado (GO), acusando-os de silêncio frente à situação de seu pai e os chamando de "traidores e oportunistas".

Assim, entre o silêncio imposto pelo sigilo de um processo e o estrondo de suas declarações públicas, Jair Renan Bolsonaro constrói sua própria figura na política brasileira. Seu caminho parece pavimentado tanto pelas batalhas judiciais que herda ou provoca, quanto pela disposição de transformar qualquer tribuna, física ou virtual, em um campo de guerra narrativa. O peso do nome Bolsonaro, ele aprende, carrega consigo não apenas privilégios, mas um fardo de escrutínio e consequências.

O esquadrão da desinformação continua com o antagonista principal

A trama familiar, porém, não para. Nas sombras da residência em Brasília, Jair Bolsonaro espreita ansiosamente os desdobramentos de processos que podem levá-lo a depor em CPIs, prato cheio para se vestir com o manto de Jesus Cristo e articular o palco para alimentar a retórica própria de uma suposta "perseguição política".

O espetáculo continua, com direito a aplausos de um público cativo e vaias de uma plateia exasperada. O problema é que o preço do ingresso é pago por toda a sociedade, com a moeda da normalização do absurdo e o desgaste da já combalida credibilidade das instituições. O curioso é saber quando o cenário vai desmoronar de vez, soterrando os atores sob o peso de suas próprias falas.

Com informações de O Globo, Estadão, Valor Econômico, Diário do Grande ABC, Notícias ao Minuto, InfoMoney, NP Expresso, O Dia. ■