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Gugu faz escola na CNN: a estratégia política por trás da entrevista com criminosos
De Sinaloa a São Paulo, supostos "depoimentos reais" de chefes do crime organizado seguem roteiros suspeitos e servem a narrativas de poder, repetindo erros históricos da mídia sensacionalista
Analise
Foto: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/wp-content/uploads/2025/10/screenshot-2025-10-02-at-15-52-20-1536x873.png
■   Bernardo Cahue, 05/10/2025

Um homem mascarado, de óculos escuros e luvas, sentado no banco de trás de um carro, concede uma entrevista à CNN. Ele se identifica como um líder do Cartel de Sinaloa e, quando questionado, admite que as políticas de fronteira do presidente Donald Trump estão tornando seu "trabalho" mais difícil. A cena, que parece extraída de um roteiro de filme, levantou questões sobre os limites entre o jornalismo e a encenação com objetivos políticos.

O suposto membro do cartel, que confessou ter cometido assassinatos, respondeu de forma afirmativa e direta quando perguntado se as ações de Trump estavam atrapalhando suas operações. A reportagem ainda destacou que, por causa do rigor nas fronteiras, os cartéis agora cobram até $10.000 por migrante, um aumento significativo em relação ao valor anterior. A entrevista foi rapidamente comparada a um caso clássico da televisão brasileira: a falsa entrevista com membros do PCC no programa de Gugu Liberato.

Do Sinaloa ao PCC: O Roteiro Repetido

As semelhanças entre os dois casos são perturbadoras e levantam dúvidas sobre a autenticidade de ambas as produções:

  • Anonimato teatral: Tanto o "chefe" do Sinaloa quanto os "integrantes" do PCC apareceram encapuzados e com a voz distorcida ou alterada, impossibilitando qualquer verificação de identidade.
  • Confissões convenientes: O membro do Sinaloa admitiu seus crimes, mas usou o espaço para fazer uma crítica – que soa como um elogio indireto – à política de um presidente dos EUA. No caso brasileiro, os figurantes ameaçaram autoridades e jornalistas, criando um clima de pânico e comoção social.
  • Narrativa pronta: Em ambos os cenários, havia um interesse editorial claro. Na CNN, a narrativa se alinha com a defesa das políticas de Trump; no Domingo Legal, buscava-se o sensacionalismo e o aumento da audiência.

O caso Gugu Liberato: quando a farsa foi desmascarada

Diferente da entrevista da CNN, que permanece envolta em dúvidas, o caso do Domingo Legal foi completamente desmontado pela polícia e pela imprensa. Em 2003, o programa exibiu uma entrevista com dois homens que se passavam por membros do PCC. A fraude foi descoberta quando um dos participantes, Antônio Rodrigues da Silva, confessou à polícia que havia recebido R$ 150 para interpretar o "bandido Beta" e que seguiu um cartaz com os pontos a serem abordados durante a gravação.

As consequências para o SBT e Gugu foram graves: o programa foi multado e suspenso temporariamente, e o apresentador foi processado. Gugu sempre negou saber do teor da entrevista, mas o delegado responsável pelo caso afirmou não ter dúvidas sobre sua responsabilidade como comandante do programa. O escândalo marcou definitivamente a credibilidade do apresentador e do seu programa.

O Cenário Mexicano: Entre a Cooperação e a Soberania

Enquanto a CNN exibe sua entrevista, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, navega em um cenário complexo. Seu governo tem adotado uma postura de maior cooperação com os Estados Unidos em questões de segurança, em contraste com seu predecessor. Prova disso foi a expulsão de 26 figuras de alto escalão de cartéis para os EUA em agosto de 2025, um movimento visto como parte de um acordo para evitar a imposição de tarifas comerciais punivas por Trump.

No entanto, essa cooperação tem seus limites. Sheinbaum descreveu claramente uma linha quando se trata da soberania do México, rejeitando publicamente qualquer sugestão de intervenção militar norte-americana em seu território. Além disso, seu governo enfrenta o desafio de manter a economia crescendo sob a constante ameaça de tarifas dos EUA, tendo que prever um menor investimento público para 2025 em um contexto de consolidação fiscal. A estratégia parece ser de contenção: ceder o mínimo necessário na arena da segurança para preservar a estabilidade econômica.

Análise: o jogo de interesses por trás das câmeras

Colocar lado a lado a entrevista da CNN, o caso Gugu e a política mexicana revela um padrão onde o crime organizado é usado como peça em um jogo de interesses maiores:

  1. Validação Política: A entrevista do Sinaloa serve como uma ferramenta de propaganda para a administração Trump, criando a impressão de que suas políticas são tão eficazes que até mesmo seus inimigos reconhecem. É uma narrativa poderosa, porém, de verificação quase impossível.
  2. Audiência e Sensacionalismo: O caso do Domingo Legal é um exemplo clássico de como o jornalismo rasteiro e a busca por audiência podem levar a violações éticas graves, criando pânico e desinformação na sociedade.
  3. Geopolítica e Diplomacia da Pressão: As ações do governo Sheinbaum mostram um Estado sendo coagido a cooperar sob a ameaça de consequências econômicas devastadoras. A expulsão de cartelistas é tanto uma medida de segurança quanto um ato de sobrevivência política e econômica.

No fim, a lição que fica é de ceticismo. Seja na mídia internacional ou nacional, entrevistas espetacularizadas com criminosos, sem transparência ou provas contundentes, merecem ser vistas com extrema desconfiança. A linha que separa a informação da manipulação, seja para fins políticos ou comerciais, é tênue e, como mostrou o passado, facilmente ultrapassada.

Com informações de CNN, Diário do Centro do Mundo, IMDb, Mexico-Now, Reuters, Wikipedia (Escândalo Gugu-PCC e Domingão do Faustão). ■