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Crise sistêmica na Argentina: Milei navega entre o colapso econômico e alianças estratégicas
Em meio a uma recessão massiva e desvalorização da moeda, governo argentino busca socorro financeiro com EUA e China e autoriza, de forma polêmica, exercícios militares norte-americanos em seu território
America do Sul
Foto: https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/800/cpsprodpb/cb80/live/6144e3c0-9fbf-11f0-b73e-e715acbd6a10.jpg.webp
■   Bernardo Cahue, 03/10/2025

O governo de Javier Milei enfrenta seu momento mais crítico, combina uma profunda crise econômica interna com movimentos geopolíticos ousados. Enquanto o peso argentino desaba e as reservas em dólares se esgotam, a Casa Rosada busca um salva-vidas financeiro multimilionário junto aos Estados Unidos e aprova a entrada de tropas norte-americanas para exercícios militares, uma medida que contorna o Congresso e gera acusações de concessão soberana. O cenário é de tensão máxima a poucas semanas das eleições legislativas de 26 de outubro, que podem definir a viabilidade política do projeto de Milei.

Tempestade Econômica: Peso em Queda Livre e Reservas no Vermelho

A economia argentina vive uma fase de extrema volatilidade. O peso argentino acumula perdas de quase 7% em relação ao dólar apenas nesta semana, obrigando o Banco Central a intervir com a venda de suas escassas reservas. A autoridade monetária teria vendido até US$ 450 milhões em um único dia para tentar conter a disparada cambial, após já ter queimado US$ 1,1 bilhão em três dias no mês anterior.

As raízes da crise são profundas:

  • Escassez de Dólares: O país não acumulou reservas internacionais suficientes durante os meses de relativa calma, chegando ao ponto crítico com as reservas "praticamente no vermelho".
  • Peso Supervalorizado: Economistas estimam que a moeda argentina está entre 20% e 30% acima de seu nível normal, sufocando as exportações e estimulando a fuga de capitais.
  • Desabastecimento e Recessão: A combinação de aperto monetário, com altas taxas de juros, e o esfriamento da atividade econômica criam um cenário de contração massiva, com o governo admitindo que a economia "desacelerou drasticamente".

Em uma tentativa desesperada de controle, o governo retrocedeu em suas próprias liberalizações e dificultou a compra de dólares pela população, reacendendo o fantasma do "cepo cambial".

Swaps e Ajuda Bilionária: A Busca por Socorro Financeiro

Em meio ao turbilhão, Javier Milei busca oxigênio financeiro no exterior. A principal promessa de auxílio vem dos Estados Unidos, onde o secretário do Tesouro, Scott Bessent, anunciou que Washington está negociando uma linha de swap (permuta cambial) de US$ 20 bilhões com o Banco Central argentino. O objetivo declarado é "evitar uma volatilidade excessiva".

Além do swap, as opções em discussão incluem:

  • Compra de dívida pública argentina pelo Tesouro norte-americano.
  • Utilização do Fundo de Estabilização do Tesouro (ESF) para apoio direto.

Este, no entanto, não é o único apoio externo. Em abril de 2025, o FMI aprovou um novo crédito de US$ 20 bilhões para a Argentina, com a China renovando simultaneamente seu acordo de swap de crédito no valor equivalente a US$ 5 bilhões. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) também anunciaram empréstimos vultosos, totalizando uma injeção de mais de US$ 40 bilhões de instituições financeiras internacionais.

Polêmica Militar: Tropas dos EUA Autorizadas por Decreto

Paralelamente à crise econômica, um movimento do governo Milei acendeu alertas sobre a soberania nacional. Através de um decreto presidencial publicado em 29 de setembro, o governo autorizou a entrada de tropas dos Estados Unidos para participarem da Operação Tridente em território argentino. Os exercícios ocorrerão entre 20 de outubro e 15 de novembro nas bases navais de Mar del Plata, Ushuaia e Puerto Belgrano.

A medida é legalmente polêmica porque a Constituição argentina exige autorização prévia do Congresso para a entrada de tropas estrangeiras. O governo justificou a decisão com base em uma suposta "natureza excepcional da situação" que impossibilitaria seguir os trâmites ordinários.

A decisão gerou reações imediatas. Walter Vuoto, prefeito de Ushuaia, uma das cidades-sede dos exercícios, declarou veementemente: "A Terra do Fogo não é moeda de troca para seus fins eleitorais" e alertou: "Não vamos permitir que ela seja usada para objetivos que prejudiquem nossos direitos e nossa história. Não vamos entregar nossa soberania".

Censura Cibernética: O Caso do Filme de Eduardo Moreira

A campanha de promoção paga do documentário "Vai pra Argentina, carajo!" foi impactada quando Meta e Google pararam de veicular os anúncios do filme. Segundo informações sugeridas, as plataformas classificaram postagens que apresentavam o trailer como "propaganda política" e, por isso, proibiram sua veiculação como anúncio comum.

O anúncio havia sido encaminhado para a categoria "entretenimento", mas ambas as empresas não permitiram o uso desse segmento, exigindo que fosse enquadrado em "Temas sociais, eleições ou política", o que limita seu alcance. O Instituto Conhecimento Liberta (ICL), produtor do filme, relatou que, em testes, ao suprimir o nome do presidente argentino Javier Milei, a propaganda foi liberada para veiculação na categoria de entretenimento.

Eduardo Moreira, fundador do ICL, manifestou estranheza com a decisão, comparando-a com a divulgação sem problemas de um documentário anterior sobre Cuba. Diante do bloqueio da publicidade paga, o ICL recorreu a uma estratégia de divulgação orgânica, incentivando que as pessoas baixem o trailer e o compartilhem em grupos de WhatsApp para "furar o bloqueio das plataformas".

Análise: Uma Crise com Múltiplas Frentes

O momento argentino underlines uma crise sistêmica. A fragilidade econômica, com o peso supervalorizado e a escassez de dólares, mina a capacidade do governo de honrar seus compromissos e mantém o país à beira de um colapso cambial. As derrotas eleitorais e a queda na popularidade de Milei fragilizam ainda mais sua posição, alimentando a desconfiança dos mercados.

Neste contexto, a ajuda financeira dos EUA e os exercícios militares conjuntos aparecem como duas faces de uma mesma estratégia: fortalecer uma aliança estratégica com Washington em busca de estabilidade política e econômica. No entanto, esta aproximação tem seus custos. A autorização por decreto para a entrada de tropas estrangeiras, ignorando o Congresso, e a percepção de que a soberania nacional pode estar sendo negociada em troca de apoio financeiro, criam um campo minado político para Milei, que se vê entre a pressão dos mercados internacionais e o descontentamento crescente de parte da sociedade e da oposição política.

Com informações de: CNN Brasil, BBC, G1, Folha de S.Paulo, Agência Brasil, Valor Econômico, Swissinfo, Revista Oeste, CADTM. ■