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Um espectro ronda o debate político norte-americano: o fantasma de que o Partido Democrata estaria defendendo atendimento médico gratuito para imigrantes sem documentação. Esta alegação, repetida incessantemente por republicanos, serve como arma política em um cenário onde a imigração se tornou o centro de uma guerra ideológica. No entanto, uma análise dos fatos revela não apenas a distorção da posição democrata, mas o profundo contraste com valores civilizatórios que países como o Brasil já incorporaram em seu contrato social, em claro potencial de avanço civilizatório em relação ao discurso retrógrado norte-americano.
Os Estados Unidos testemunham atualmente um endurecimento sem precedentes na retórica e nas políticas migratórias. O presidente Donald Trump, ainda em campanha, prometeu realizar deportações "massivas" e completar o muro na fronteira com o México, utilizando uma linguagem que desumaniza migrantes ao associá-los a violência e criminalidade. Seu anúncio de nomear Thomas Homan, conhecido por implementar a política de separação de famílias durante seu primeiro mandato, como diretor do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega), confirma que as ameaças estão longe de ser vazias.
Neste cenário, a acusação de que os democratas defendem benefícios médicos irrestritos para imigrantes ilegais surge como um espantalho político conveniente. A realidade, porém, é bastante diferente. Senadores democratas, incluindo o líder da bancada Chuck Schumer, permitiram que avançasse uma medida republicana que exige a detenção obrigatória de imigrantes sem documentação acusados de certos crimes. Este movimento tático, longe de sugerir qualquer apoio a políticas de saúde generosas para imigrantes, revela uma tentativa dos democratas de escolher cuidadosamente suas batalhas contra Trump, cedendo em algumas frentes para ganhar capital político em outras.
O que mais choca na perspectiva brasileira, no entanto, é o próprio fundamento do debate. Enquanto políticos americanos disputam quem pode ser mais duro em negar cuidados básicos de saúde a seres humanos, o Brasil consolidou há 35 anos o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, baseado nos princípios constitucionais da universalidade, integralidade e equidade. O SUS não apenas atende "a toda a população" como direito, mas representa uma conquista civilizatória que mudou a realidade do país, elevando a qualidade de vida e sendo a principal rede de assistência para 76% dos brasileiros – aproximadamente 213 milhões de pessoas.
O sistema de saúde brasileiro opera sob a premissa de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado". Esta visão, que parece óbvia no contexto brasileiro, representa um abismo cultural e ético em relação ao debate norte-americano. Enquanto no Brasil o acesso à saúde é entendido como um direito de cidadania que independe de situação documental, nos Estados Unidos a discussão sequer consegue superar a lógica de que alguns seres humanos merecem menos dignidade que outros por sua origem ou status migratório.
O contraste se torna ainda mais gritante quando examinamos a escala de atendimento do SUS:
Esta realidade torna a retórica americana não apenas eticamente vergonhosa, mas também estrategicamente miope. Pesquisas brasileiras revelam que 62,3% dos que precisaram de atendimento médico no último ano não o buscaram, citando superlotação, demora e burocracia como principais barreiras. São desafios reais de um sistema em melhoria contínua, não a negação filosófica do direito à saúde que caracteriza o debate americano.
A ironia histórica é que o próprio sistema de saúde brasileiro enfrenta suas próprias contradições, com uma precarização do trabalho médico que transformou profissionais em "prestadores de serviço" submetidos à lógica de mercado . Ainda assim, mesmo com todos seus desafios, o SUS mantém seu compromisso com a universalidade – um princípio que parece radical no contexto da política americana contemporânea.
O verdadeiro absurdo, portanto, não está apenas na alegação republicana específica sobre os democratas, mas na própria premissa do debate norte-americano: que alguns seres humanos merecem menos cuidado em saúde que outros. Para o Brasil, onde o SUS "muda vidas" e "devolve a vida" – como atestam depoimentos de usuários – a politização da saúde como arma antiimigrante representa não apenas uma estratégia eleitoral questionável, mas uma regressão civilizatória que o país, em sua Constituição Cidadã, já superou.
Com informações de: Bloomberg, Gov.br, DW, AP News, O Globo. ■