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O discurso anticorrupção da extrema-direita e a prática de corrupção no poder
Enquanto líderes ultranacionalistas posam como arautos da honestidade, seus governos são frequentemente marcados por escândalos, corrupção sistêmica e ataques às instituições de controle
Analise
Foto: https://www.opiniaosocialista.com.br/wp-content/uploads/2024/12/Direita.jpg
■   Bernardo Cahue, 25/09/2025

A ascensão global de forças políticas de extrema-direita nas últimas décadas frequentemente se apoia em um discurso moralizante que promete acabar com a corrupção e "limpar" o establishment político. No entanto, uma análise crítica de seus governos revela um paradoxo: longe de erradicar a corrupção, muitos desses regimes são palco de escândalos, nepotismo, captura do Estado por interesses privados e enfraquecimento sistemático dos mecanismos de fiscalização. Esta reportagem examina o alinhamento entre a extrema-direita no poder e a corrupção, contrastando promessas com a realidade em diversos casos internacionais.

O Caso Inédito no Brasil: A Condenação por Golpismo

No Brasil, a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) representa um marco significativo. Pela primeira vez, um ex-presidente identificado com a nova extrema-direita global foi sentenciado por uma jurisdição nacional por planejar um golpe de Estado. O ineditismo do caso reside no fato de que a condenação não ocorreu em um contexto de guerra ou colapso regime, mas sim pelo acionamento dos próprios mecanismos internos de uma democracia que tentou subverter. Analistas apontam que, embora ser de extrema-direita não seja crime em si, essa posição política por definição se insurge contra a democracia liberal, tornando menos surpreendente que seus líderes cometam ilícitos contra a ordem democrática.

Padrões de Comportamento: Corrupção, Autoritarismo e Impunidade

Os casos abaixo ilustram como o fenômeno se repete em diferentes geografias, unido por fios comuns.

  • Nicolas Sarkozy (França): O ex-presidente francês foi condenado a cinco anos de prisão por conspiração criminosa em um caso relacionado a fundos ilícitos do falecido líder líbio Muammar Khadafi para financiar sua campanha eleitoral de 2007. Sarkozy alega motivações políticas, mas o tribunal considerou provado que ele permitiu que assessores obtivessem apoio financeiro ilegal de autoridades líbias. Este não foi seu único processo, tendo sido alvo de outras condenações por financiamento ilegal de campanha e tentativa de suborno.
  • Viktor Orbán (Hungria): O primeiro-ministro húngaro construiu um regime considerado o mais corrupto da União Europeia, segundo a Transparência Internacional. A corrupção é normalizada e funciona como a base que sustenta o poder de Orbán há 15 anos. O regime alterou o sistema judicial para acabar com sua independência, garantindo impunidade para os casos de corrupção que beneficiam oligarcas próximos ao governo, que enriqueceram com contratos públicos e fundos europeus. O autoritarismo serve para proteger esse sistema, com leis que restringem manifestações e perseguem opositores.
  • George Weah (Libéria): O ex-jogador eleito presidente com a promessa de uma gestão "anti-corrupção" e "feita para os pobres" enfrentou um grande escândalo no início de seu mandato: o desaparecimento misterioso de contêineres com US$ 100 milhões em notas recém-impressas da moeda local. O caso, que causou revolta em um dos países mais pobres do mundo, levou à investigação de altas figuras do Banco Central do governo anterior, expondo os desafios de combater a corrupção enraizada. A coligação com sua vice-presidenta Jewel Taylor, ex-esposa do conspiracionista do golpe de 1987 Charles McArthur Ghankay Taylor e líder da extrema-direita - autora do projeto que criminalizava o "homossexualismo" na Libéria e instituía pena de morte à comunidade LGBTQIA+ (felizmente rejeitado) - é um dos pilares de incógnita de seu Governo.
  • Jeanine Áñez (Bolívia): A ex-presidenta autoproclamada, apoiada por setores da direita empresarial e forças armadas, assumiu após a renúncia forçada de Evo Morales em 2019. Seu governo, que deveria ser transitório, rapidamente mostrou seu caráter ao implementar medidas que beneficiavam empresários, como a liberação de limites de exportação e a privatização de empresas estatais, revertendo conquistas populares. O golpe foi consolidado por uma narrativa reacionária e racista, com a queima da bandeira indígena (a Whipala) no palácio do governo.
  • Volodymyr Zelensky (Ucrânia): O presidente ucraniano, que chegou ao poder com uma plataforma anticorrupção, viu seu governo ser abalado por escândalos que contradizem seu discurso. Entre as acusações estão o enriquecimento ilícito de Andrii Smyrnov, ex-vice-chefe de seu gabinete, que adquiriu bens de luxo no valor de US$ 400 mil com fundos de origem obscura, e alegações de suposta retaliação contra o principal órgão anticorrupção do país (NABU) quando este investigava figuras próximas ao poder. Além disso, seu ex-ministro da Defesa foi demitido no meio de escândalos de corrupção no exército, incluindo casos de superfaturamento, em um país que historicamente enfrenta a corrupção endêmica, agravada pelo contexto de guerra.
  • Donald Trump (EUA): O então presidente Donald Trump foi formalmente acusado de conspirar para subverter a eleição de 2020. As acusações incluem conspiração contra os direitos dos cidadãos e obstrução de procedimento oficial. Os eventos de 6 de janeiro de 2021 foram o ápice desse esforço, quando uma multidão de seus apoiadores, incitada por seu discurso que terminou com as palavras "lutamos como infernos", invadiu o Capitólio dos EUA para impedir a certificação da vitória de Joe Biden. A cronologia detalhada do dia mostra que Trump continuou a pressionar politicamente mesmo durante o ataque, incluindo uma ligação telefônica a um senador enquanto o vice-presidente Mike Pence era evacuado para um local seguro, com a multidão cantando por seu enforcamento.
  • George W. Bush (EUA): A relação do ex-presidente Bush com o setor petrolífero foi direta. Em 2008, ele levantou uma proibição de décadas à exploração offshore de petróleo e gás, argumentando que era uma medida para baixar os preços da energia, embora especialistas tenham dito que o impacto seria mínimo a curto prazo. Essa ação, benéfica para as petroleiras, contrasta com as teorias conspiratórias que circularam sobre os ataques de 11 de setembro. Embora a versão oficial amplamente aceita aponte que os ataques foram perpetrados pela Al-Qaeda, diversas teorias questionam esse relato, sugerindo desde conhecimento prévio até a participação de elementos internos do governo, muitas vezes citando supostos interesses geoestratégicos no Oriente Médio, incluindo planos relacionados ao petróleo. É crucial notar que essas alegações foram investigadas e rejeitadas por órgãos oficiais como o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) e a Comissão do 11 de Setembro.
  • Javier Milei (Argentina): O presidente argentino Javier Milei foi envolvido em um escândalo em fevereiro de 2025 quando promoveu em suas redes sociais a criptomoeda $LIBRA. Minutos após seu post, o valor do token disparou, mas os criadores, que detinham 70% da oferta, venderam suas participações, causando um colapso de 85% no preço em um esquema conhecido como "rug pull". Investidores perderam aproximadamente US$ 251 milhões. A investigação apontou para o envolvimento de Hayden Davis, da empresa Kelsier Ventures, que havia se encontrado com Milei no palácio presidencial em 2024. Milei depois retirou o apoio, alegando não ter conexão com o projeto.
  • Ditadura Militar Brasileira: Para além do Estado, a ditadura militar no Brasil (1964-1985) contou com a colaboração ativa de empresas privadas. Investigações do Ministério Público Federal revelaram que companhias como a Volkswagen e a Folha de São Paulo não foram coniventes, mas sim cúmplices e participantes do aparato repressivo. O caso da Volkswagen é emblemático: a empresa espionava e delatava trabalhadores à polícia política, permitia que prisões e torturas ocorressem dentro de suas instalações e ludibriava famílias sobre o paradeiro de funcionários presos. Em 2020, a Volks firmou um acordo judicial, pagando R$ 36 milhões em indenização, parte da qual destinada a investigar o envolvimento de outras empresas com o regime.
  • Richard Nixon (EUA): O escândalo de Watergate nos EUA (1972-1974) permanece como um marco de corrupção e abuso de poder. O caso começou com a invasão da sede do Partido Democrata no complexo Watergate por homens ligados à campanha de reeleição do presidente republicano Richard Nixon. A investigação subsequente, impulsionada pelo trabalho dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, revelou uma extensa tentativa de encobrimento orquestrada pela Casa Branca. Nixon acabou por renunciar à presidência em 1974 para evitar um impeachment certo.
  • Adolf Hitler (Alemanha): A ambição do Führer ia muito além do domínio territorial e ideológico; ela incluía a construção de um império cultural centrado em sua figura. Um artista frustrado que teve a admissão negada na Academia de Belas Artes de Viena, Hitler decidiu usar o poder absoluto do Estado para impor sua visão estética pessoal e pilhar o patrimônio europeu. Seu projeto mais emblemático era o "Führermuseum", um museu gigantesco que ele planejava para a cidade de Linz, sua cidade natal na Áustria, destinado a ser o maior do mundo. Para alimentar esta coleção megalomaníaca, Hitler orquestrou uma máquina de pilhagem sistemática de obras de arte nos territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial, coordenada por organizações especiais como o Einsatzstab Reichsleiter Rosenberg (ERR). Enquanto saqueavam museus e coleções privadas – especialmente de famílias judias – os nazistas também promoviam a queima pública de milhares de obras consideradas "arte degenerada" (como cubismo e expressionismo), que iam contra o padrão clássico e nacionalista que pregavam. Este duplo movimento – destruir a cultura que desafiava sua visão e acumular os tesouros que admirava – revela como a corrupção, no regime nazista, assumiu uma dimensão cultural: o uso do aparato de guerra para o benefício e a glorificação pessoal do líder, transformando o patrimônio público europeu em uma coleção privada.

A Conexão Global e as Estratégias Comuns

Estes líderes e movimentos não atuam de forma isolada. Há uma internacionalização da extrema-direita, com partidos como o espanhol Vox buscando ativamente construir alianças e exportar sua guerra cultural para outros países, como ficou evidente em sua visita ao México. Nesse país, grupos como a FRENA (Frente Nacional Anti-AMLO) adotam um discurso similar, alegando conspirações comunistas (como o "Foro de São Paulo") para justificar suas ações contra o governo. A estratégia comum é a criação de inimigos inventados – sejam imigrantes, organizações LGBTQIA+, ou supostas ameaças globalistas – para polarizar a sociedade e, em troca de uma promessa de proteção, exigir a abdicação de liberdades e o enfraquecimento das instituições democráticas.

Corrupção como plano de governo e projeto de poder

A análise dos casos demonstra que, para setores da extrema-direita no poder, o discurso anticorrupção muitas vezes serve como uma cortina de fumaça. Na prática, o que se observa é a instrumentalização do Estado para benefício próprio e de aliados, o ataque aos órgãos de controle e à imprensa livre, e a promoção de um ambiente de impunidade. A corrupção deixa de ser um desvio pontual para se tornar um mecanismo central de sustentação do poder, onde a distribuição de privilégios econômicos e a captura das instituições garantem a lealdade de uma elite e a perpetuação no comando. O verdadeiro projeto, portanto, não é a moralização da política, mas a sua submissão a um projeto autoritário de poder.

Com informações de Brasil de Fato, BBC News, ESPN, El País, Esquerda.net, Esquerda Diário, Reuters, Wikipedia, George W. Bush Presidential Library, Gov.br Memórias Reveladas, CoinMarketCap e Observatório da Imprensa.■