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Anistia de 1979 vs. proposta de 2025: do fim da Ditadura ao perdão por tentativa de golpe
Lei assinada por Figueiredo há 46 anos permitiu volta de exilados, mas também beneficiou torturadores; projeto atual tenta anistiar condenados pelos ataques de 8 de janeiro e o ex-presidente Jair Bolsonaro
Analise
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■   Bernardo Cahue, 22/09/2025

Quase cinco décadas separam a Lei da Anistia de 1979 da proposta que avança no Congresso Nacional para perdoar condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ambas são chamadas de "anistia", mas nascem em contextos radicalmente diferentes: uma marcou o início do fim de uma ditadura militar; a outra, se aprovada, pode significar um perdão para crimes contra a democracia cometidos sob um governo eleito.

O que foi a Lei da Anistia de 1979

Sancionada pelo general João Baptista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, a Lei nº 6.683 foi um marco na abertura política após 15 anos de regime militar. Ela concedeu perdão a todos que cometeram "crimes políticos ou conexos" entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Na prática, a lei:

  • Permitiu o retorno ao Brasil de milhares de exilados políticos;
  • Determinou a libertação de presos políticos das cadeias;
  • Garantiu a reconciliação de direitos políticos daqueles que foram cassados pelos Atos Institucionais.

No entanto, a lei não foi uma concessão gratuita do regime. Além de não ter dado indulto aos presos por associação com movimentos pró-democracia, ela foi resultado de uma intensa pressão social, liderada por entidades como o Movimento Feminino pela Anistia (liderado por Therezinha Zerbini) e o Comitê Brasileiro pela Anistia, que defendiam uma anistia "ampla, geral e irrestrita".

A controvérsia: O perdão aos torturadores

O ponto mais controverso da Lei de 1979, e que gera debates até hoje, foi a anistia bilateral. A interpretação do termo "crimes conexos" acabou por estender o perdão não apenas aos que se opuseram à ditadura, mas também aos agentes do Estado – militares, policiais – que cometeram crimes como tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.

Dados da Comissão de Anistia mostram que, entre os quase 40 mil processos deferidos, 4.514 beneficiaram membros das Forças Armadas, além de outros integrantes de forças policiais. Esta interpretação foi posteriormente mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, mas é criticada por organizações de direitos humanos e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que argumentam que crimes de tortura são imprescritíveis e não deveriam ter sido anistiados.

Libertação de presos e retorno do exílio: Os nomes conhecidos

A anistia permitiu que grandes nomes da política e da cultura brasileira voltassem ao país ou recuperassem sua liberdade e direitos. Entre os anistiados mais conhecidos estão:

  • Luiz Inácio Lula da Silva: Teve seus direitos políticos restaurados. Anos depois, recebeu uma aposentadoria como anistiado devido à cassação de seus direitos quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, mas não recebe a chamada "Bolsa Ditadura".
  • Dilma Rousseff: Ex-militante da resistência, que havia sido presa e torturada, foi beneficiada pela lei e pôde reintegrar-se à vida política. Recebeu uma única indenização como forma de reparação pelas torturas sofridas das mãos de Carlos Alberto Brilhante Ustra, também não contemplada pela chamada "Bolsa Ditadura".
  • Fernando Henrique Cardoso: Intelectual e político que estava no exílio, pôde retornar ao Brasil.
  • Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil: Artistas que foram perseguidos pelo regime. É importante destacar que, conforme verificações de agências de checagem, eles NÃO recebem indenização mensal ("Bolsa Ditadura"). A informação que circula nas redes sociais é falsa. Gil e Caetano, por exemplo, retornaram do exílio graças à anistia.

É crucial diferenciar: a lei concedeu o perdão jurídico e a reintegração, mas indenizações econômicas mensais (reparação) são processos distintos, analisados caso a caso pela Comissão de Anistia, e não beneficiam a maioria dos nomes famosos.

A Proposta de 2025: Contexto e Críticas

O projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, cuja urgência foi aprovada em setembro de 2025, busca anistiar pessoas condenadas por crimes cometidos durante as manifestações antidemocráticas que culminaram na invasão dos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Seus defensores argumentam que a medida é um "perdão político" necessário para acalmar os ânimos no país.

As principais diferenças em relação à lei de 1979 são gritantes:

  • Contexto Político: A de 1979 foi uma medida de transição de um regime ditatorial para a democracia. A proposta de 2025 surge em uma democracia consolidada e visa anistiar atos que tentaram subvertê-la.
  • Natureza dos Crimes: Enquanto a lei anterior perdoava crimes de opinião e de resistência política a uma ditadura, a nova proposta perdoaria crimes como abolicão violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e dano ao patrimônio público – crimes considerados hediondos pela Constituição de 1988.
  • Figura Central: A anistia de 2025 é amplamente vista como uma maneira de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo STF por tentativa de golpe e por chefiar uma organização criminosa.

Juristas e entidades de direitos humanos alertam que anistiar crimes contra a democracia enfraquece o Estado de Direito e pode criar um precedente perigoso de impunidade para futuras tentativas de golpe.

Conclusão: Dois Momentos, Dois Projetos de País

A Lei da Anistia de 1979, apesar de suas imperfeições e da polêmica proteção aos agentes da repressão, foi um passo fundamental para a redemocratização do Brasil. Ela fechou um ciclo de autoritarismo, ainda que de forma incompleta.

A proposta de 2025, em análise no Congresso, opera na direção oposta: surge em um ambiente democrático e busca perdoar aqueles que atacaram suas instituições. A comparação entre os dois momentos revela não apenas diferenças jurídicas e contextuais, mas dois projetos distintos para a memória e a justiça no Brasil. Enquanto a primeira tentou virar uma página sombria da história, a segunda pode riscar capítulos essenciais da Constituição que a própria democracia permitiu escrever.

Com informações de: BBC News Brasil, G1, Estadão Verifica, CNN Brasil, Wikipedia, Senado Federal, Focus Brasil. ■