Siga nossas redes sociais
Logo     
Siga nossos canais
   
11 Anos do Marco Civil da Internet: avanços e batalhas na Era Digital
Lei pioneira completa uma década sob desafios de desinformação e IA, enquanto debate sobre regulação midiática expõe tensões entre liberdade de expressão e concentração de poder
Politica
Foto: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Marcocivilcamara.jpg
■   Bernardo Cahue, 05/08/2025

Há 11 anos, em 23 de abril de 2014, a então presidenta Dilma Rousseff sancionava a Lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet (MCI), consolidando o Brasil como pioneiro na regulamentação digital. Nascido de um processo colaborativo histórico que envolveu consultas públicas e debates multissetoriais, o marco reagia à proposta inicial de criminalização da internet - a chamada "Lei Azeredo" ou "AI-5 Digital" - e estabelecia princípios inovadores como neutralidade da rede, privacidade dos usuários e liberdade de expressão.

O MCI estruturou-se sobre três pilares fundamentais:

  • Garantia de direitos fundamentais: Incluindo liberdade de expressão, proteção da privacidade e controle sobre dados pessoais
  • Neutralidade da rede: Princípio que proíbe discriminação no tráfego de dados
  • Responsabilidade dos provedores: Com regras claras sobre remoção de conteúdo (artigo 19)

O artigo 19 tornou-se o ponto mais polêmico da lei, estabelecendo que provedores só podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos de terceiros após ordem judicial específica. Esta disposição, concebida para evitar censura privada, enfrenta questionamentos na era das deepfakes e da desinformação algorítmica. Em 2023, o STF realizou audiência histórica sobre sua constitucionalidade, com placar dividido: 22 especialistas a favor da manutenção, 17 neutros e apenas 8 pela revogação.

Lei das Fake News vs. Código Penal: Novas Fronteiras Digitais

O PL 2.630/2020, conhecido como Lei das Fake News, surge como resposta aos desafios não previstos pelo MCI em 2014. Enquanto o Código Penal já tipifica crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), o novo projeto:

  • Responsabiliza plataformas pela disseminação de desinformação via algoritmos
  • Exige transparência no impulsionamento de conteúdos
  • Cria mecanismos ágeis para combater viralização de falsidades

Esta proposta contrasta com dispositivos tradicionais do Código Penal, que focam na responsabilização individual e não conseguem combater a escala industrial da desinformação. Especialistas alertam que "a vedação ao discurso do ódio deve ser proibida por agredir a dignidade humana e macular o ambiente de deliberação pública", conforme estabelecem tratados internacionais de direitos humanos.

Regulação da Mídia: O Tabu Brasileiro

Enquanto o debate sobre internet avança, a regulação dos meios tradicionais permanece estagnada. A Constituição de 1988 proíbe monopólios midiáticos (Art. 220, §5º), mas na prática:

  • CR4 de 80% mostra concentração extrema onde quatro empresas dominam cada mercado
  • Políticos e religiosos controlam ilegalmente concessões públicas de rádio e TV
  • Leis da ditadura ainda regulam setor, com órgãos como Anatel atuando de forma limitada

Grupos como a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABERT) utilizam discurso de "defesa da liberdade de imprensa" para equiparar qualquer proposta regulatória à censura. Esta narrativa ignora que:

  • Reino Unido, França, Canadá e Alemanha possuem agências reguladoras independentes
  • A lei francesa limita a 30% a participação de qualquer grupo no mercado
  • O modelo alemão proíbe concessões a grupos com posição dominante

Esta resistência serve a interesses econômicos, já que "as empresas de TV e rádio usam bem público para defender interesses próprios", especialmente através de verbas publicitárias governamentais como moeda de troca.

Liberdade vs. Responsabilidade: O Paradoxo Brasileiro

O discurso vitimista de grupos midiáticos contrasta com sua atuação contra a pluralidade. Enquanto combatem a regulação do setor audiovisual

  • Apoiam projetos como o PL 592/2023 que dificultam moderação de conteúdo nas redes
  • Defendem mudanças no Marco Civil que permitiriam maior vigilância (PL 113/2020)
  • Silenciam sobre controle estrangeiro em plataformas digitais

Esta duplicidade expõe o lobby histórico que transformou a regulação em tabu, enquanto países democráticos a entendem como "medida democrática básica" para garantir diversidade. Como sintetiza Ronaldo Lemos, um dos arquitetos do MCI: "O caminho menos danoso é manter o artigo 19 e democraticamente estabelecer exceções", princípio que deveria aplicar-se também ao ecossistema midiático tradicional.

Com informações de: Agência Senado, Mobile Time, Unieducar, CartaCapital, Journalism Research, Revista AEC, Nações Unidas Brasil