Siga nossas redes sociais | ![]() | Siga nossos canais |
A Operação Contenção, realizada no dia 28 de outubro de 2025 nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, entrou para a história como a mais letal ação policial do Brasil, com um saldo oficial de pelo menos 121 mortos, a grande maioria identificada como membros do Comando Vermelho (CV). Enquanto o governador Cláudio Castro a classificou como um "sucesso" e um "duro golpe ao crime", um coro de acadêmicos, defensores de direitos humanos e moradores das favelas alerta: a política de "mão dura" tende a incubar e desencadear processos de violência ainda mais cruentos, tornando a cidade menos segura a médio e longo prazo.
A operação, que mobilizou 2.500 agentes e contou com veículos blindados e drones, tinha como objetivo declarado conter a expansão territorial do Comando Vermelho e cumprir centenas de mandados de prisão. No entanto, um relatório da polícia obtido pela Reuters revelou um dado crucial: nenhuma das 117 pessoas mortas pela polícia estava entre os 69 principais suspeitos listados na denúncia que motivou a operação. Apenas cinco deles foram presos, e nenhum era um líder de alto escalão. O principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o "Doca", segue foragido.
O cenário descrito por testemunhas e familiares foi de extrema brutalidade. O fotógrafo Bruno Itan, que acompanhou o operativo, relatou ter visto "corpos decapitados, completamente desfigurados [...] sem rosto, sem metade da cara, sem braços, sem pernas" . Relatos de familiares falam de um adolescente de 19 anos encontrado decapitado e de um jovem de 21 anos com os pulsos amarrados. A cena de moradores resgatando dezenas de corpos da Serra da Misericordia para a praça São Lucas, com medo de que desaparecessem, chocou o país e levantou suspeitas de execuções sumárias e adulteração de cena de crime.
Apesar disso, a ação teve amplo apoio popular. Uma pesquisa do instituto Genial/Quaest mostrou que 64% da população do estado do Rio aprovou a operação. Esse apoio, aliado à retórica do governador Castro, que adotou o termo "narcoterrorismo" para descrever seus adversários, encapsula o dilema político da segurança pública: a demanda por ações duras e visíveis contra o crime.
Acadêmicos que estudam a violência e o crime organizado na região argumentam, com base em evidências históricas, que operações como a Contenção não produzem segurança sustentável. Pelo contrário, elas costumam reconfigurar o crime, intensificando a violência. Dois mecanismos principais explicam esse fenômeno:
Esses padrões foram observados em diversos contextos. Em Caracas, as Operações de Liberação do Povo (OLP) em 2015 não dissuadiram os criminosos, que se prepararam para retaliar. No próprio Brasil, o massacre do Carandiru em 1992, que deixou 111 presos mortos, foi o catalisador para a criação do Primeiro Comando da Capital (PCC), hoje uma das organizações criminosas mais poderosas do país. A violência estatal, portanto, não aniquila o crime, mas pode fertilizar o terreno para seu fortalecimento e radicalização.
O foco nos confrontos armados desvia a atenção de dinâmicas estruturais que sustentam o crime organizado:
A história recente do Rio também oferece exemplos de que é possível reduzir a violência sem recorrer a banhos de sangue. A criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) representou uma mudança de paradigma. Em vez da repressão incondicional, o Estado condicionou o uso da força, focando nos crimes mais violentos sem a pretensão utópica de acabar com todos os mercados ilícitos. No marco dessa política, foram observadas reduções significativas na violência letal.
Esse modelo, no entanto, foi abandonado, cedendo lugar a novas iterações de políticas de "mão dura". A persistência dessas estratégias fracassadas, segundo os especialistas, reside em seu poder de criar "espetáculo" e oferecer uma resposta aparentemente simples e vigorosa a uma população aterrorizada, gerando dividendos políticos de curto prazo.
A Operação Contenção pode ter, por um breve período, interrompido as atividades do Comando Vermelho em uma de suas fortalezas. No entanto, a experiência latino-americana sugere que o preço pago não será a segurança, mas a perpetuação de um ciclo de violência. Como resume o fotógrafo Bruno Itan, "Se a sociedade pensou que ganhou, que triunfou, creio que todos vamos perder". A verdadeira contenção do crime organizado exigirá muito mais do que balas: demandará ação social, educação, presença estatal de fato e a coragem de enfrentar as complexas raízes de um problema para o qual não há soluções simples.
Com informações de BBC.com, El País, Infobae, CNN Español, Folha de S.Paulo, Deutsche Welle ■