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Desmonte estratégico: como o sucateamento de estatais ameaçou a soberania nacional
Análise crítica revela padrão de enfraquecimento de empresas públicas durante a gestão econômica de Paulo Guedes, os reflexos e esforços atuais para reconstrução
Analise
Foto: https://i.ytimg.com/vi/v8fm8-eMrhw/maxresdefault.jpg
■   Bernardo Cahue, 21/11/2025

Um padrão de desmonte sistemático de estatais estratégicas marcou o governo Bolsonaro (2019-2022), com impactos profundos no abastecimento alimentar, serviços postais e políticas de financiamento. Análise de documentos e declarações oficiais revela que o plano de privatizações do então ministro Paulo Guedes, que chegou a prever a venda de estatais para arrecadar R$ 1 trilhão, operou por meio do sucateamento prévio dessas empresas, criando justificativas para sua transferência ao setor privado. Esta reportagem investiga os casos da Conab, Correios e Caixa Econômica Federal.

O Desmonte da Conab e a Crise do Arroz

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), peça fundamental na política de segurança alimentar, foi alvo de desestruturação que impactou diretamente o controle de preços e estoques reguladores de alimentos básicos.

  • Fechamento de armazéns: Em 2019, o governo Bolsonaro anunciou a privatização ou desativação de 27 dos 92 armazéns da Conab em todo o país. Essas unidades são essenciais para a política de preços mínimos e formação de estoques reguladores.
  • Colapso nos estoques de arroz: Os números revelam uma drástica redução: enquanto em 2015 o país mantinha mais de 1 milhão de toneladas de arroz estocadas, em 2020 esse volume despencou para apenas 22 toneladas - quantidade insuficiente para uma semana de consumo nacional.
  • Impacto nos preços e na fome: O desmonte dos estoques reguladores coincidiu com a inflação alimentar de 57% durante o governo Bolsonaro, quase o dobro da inflação geral do período (30%) . A medida contribuiu para o retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU .

Representantes da agricultura familiar alertaram na época que as privatizações transfeririam o controle para empresas do agronegócio, prejudicando pequenos produtores. O coordenador da Contraf Brasil, Marcos Rochinski, afirmou: "Obviamente, vão colocar na mão do agronegócio. Aqueles agricultores, pequenas cooperativas, que muitas vezes dependem desses armazéns públicos para encontrar melhor alternativa de comercialização vão ficar à mercê."

Caixa Econômica: Entre a Política e a Técnica

A Caixa Econômica Federal, quarto maior banco do Brasil e maior instituição financeira pública da América Latina, também enfrentou pressões durante o período, e além. Com corpo diretor indicado principalmente por Arthur Lira e Ciro Nogueira, em 2024 a caixa teria realizado uma compra de títulos do Banco Master por R$ 500 milhões, não fosse uma análise técnica em contrário assinada por dois gerentes que foram destituídos por esse corpo diretor. Mais, o perfil da instituição deixa a desejar no ranking:

  • Estado atual: A Caixa permanece como empresa estatal controlada pelo governo brasileiro.
  • Questões regulatórias: Relatórios de monitoramento indicam que a Caixa não opera um canal de reclamações para indivíduos ou comunidades potencialmente afetadas por seu financiamento.
  • Desempenho em direitos humanos: No Benchmark de Direitos Humanos da BankTrack de 2024, a Caixa foi avaliada como "Laggard" (retardatária), alcançando apenas 0,5 pontos de 14 possíveis.

Correios: Sucateamento e Atual Recuperação

Os Correios tornaram-se exemplo emblemático da estratégia de sucateamento seguida por tentativa de privatização. O presidente atual da empresa, Fabiano Silva dos Santos, admitiu publicamente que a estatal "foi preparada para ser privatizada" durante o governo anterior .

  • Déficit bilionário: A empresa registrou um déficit de R$ 3,2 bilhões em 2024, atribuído diretamente ao sucateamento sofrido durante as tentativas de privatização .
  • Falta de investimentos: Santos destacou que "não se tinha investimento em tecnologias" sob a gestão Bolsonaro, contrastando com concorrentes privados que investiam pesado em robotização e modernização .
  • Contexto mais amplo de privatizações: Os Correios integravam a lista de 18 estatais incluídas pelo governo Bolsonaro no Plano Nacional de Desestatização (PND) . Originalmente, Guedes afirmava pretender privatizar todas as estatais para levantar aproximadamente R$ 1,2 trilhão, mas o plano efetivo acabou limitado .

Padrão e Consequências

A análise dos três casos revela um modus operandi similar: enfraquecimento deliberado da capacidade operacional e financeira das estatais, seguido da argumentação de que seriam "ineficientes" por natureza, justificando assim sua transferência para o setor privado. Este padrão transcendeu o governo federal, com a equipe econômica de Guedes elaborando políticas para incentivar estados em calamidade financeira a privatizarem suas próprias estatais .

O atual governo tem trabalhado na reversão desse quadro, especialmente no caso da Conab, com a retomada da formação de estoques públicos de arroz após 11 anos . Em agosto de 2025, o presidente da Conab, Edegar Pretto, comemorou a medida como essencial para "garantia para quem consome ter nas prateleiras dos supermercados um preço justo" .

Os casos examinados ilustram como empresas estatais estratégicas, quando desinvestidas e fragilizadas, tornam-se incapazes de cumprir suas funções sociais e regulatórias, criando um ciclo perverso que serve para legitimar agendas de desestatização. A reconstrução dessas instituições representa um desafio complexo que vai além da simples injeção de recursos, demandando a recuperação de expertise técnica e capacidade operacional deliberadamente debilitadas.

Com informações de Contrafbrasil.org.br, BankTrack, Jornal GGN, Amazonasatual.com.br, Agência Gov, Sindsep-PE, CNN Brasil, O Globo, Gov.br Conab, Grabois.org.br ■