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Reconhecimento necessário ou "pauta-bomba"? Uma análise crítica do discurso midiático
Enquanto a grande imprensa criminaliza a valorização de categorias trabalhistas, profissionais da linha de frente da saúde pública conquistam direitos após anos de exposição a riscos
Analise
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■   Bernardo Cahue, 08/10/2025

A recente aprovação pela Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 14/21, que concede aposentadoria especial a agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, reacendeu um debate crucial sobre como a imprensa brasileira enquadra pautas trabalhistas. Enquanto veículos influentes tratam a medida como "pauta-bomba", uma análise detalhada revela que a proposta é um reconhecimento justo e tardio dos riscos ocupacionais enfrentados por esses profissionais essenciais para o Sistema Único de Saúde (SUS).

O que realmente propõe a PEC 14/21

A PEC, aprovada de forma esmagadora com 426 votos a favor no segundo turno, estabelece um sistema de proteção social para estes profissionais, com os seguintes pontos centrais:

  • Aposentadoria especial: Idade mínima de 57 anos para mulheres e 60 para homens, com 25 anos de contribuição e de atividade efetiva na função, regra significativamente mais branda que a prevista na reforma da Previdência de 2019 (65/63 anos).
  • Regras de transição: Para quem já está na ativa, idades ainda menores, podendo chegar a 50 anos para mulheres e 52 para homens até 2030, com escalonamento progressivo até 2041.
  • Integralidade e paridade: Os proventos serão iguais à remuneração da ativa no momento da aposentadoria, com reajustes equivalentes aos dos servidores em exercício.
  • Fim da precarização: A PEC proíbe contratações temporárias ou terceirizadas, exceto em emergências de saúde pública, e determina a efetivação como servidores estatutários dos agentes com vínculos precários, desde que tenham participado de processo seletivo público.

Insalubridade e periculosidade: a justificativa invisibilizada

O tratamento pejorativo dado pela grande mídia à PEC ignora solenemente a natureza extenuante e perigosa do trabalho desses agentes. O relator da proposta, deputado Antonio Brito (PSD-BA), descreve que "os ACS e ACE atuam diretamente em contato com comunidades, muitas das vezes em áreas de risco social e epidemiológico. Grande parte destes atua em situações extremamente precárias, tendo que caminhar longas distâncias debaixo de sol ou chuva, expostos a doenças tropicais e à violência urbana".

Esta exposição constante a agentes biológicos (em combate a endemias como dengue, zika e chikungunya), condições climáticas adversas e risco de violência caracterizam um trabalho com elevado grau de insalubridade e periculosidade, fatores tradicionalmente reconhecidos como justificativa para aposentadorias especiais em outras categorias, como policiais e mineiros.

O enquadramento midiático como "pauta-bomba" e a hipocrisia fiscal

O termo "pauta-bomba", utilizado para descrever a proposta, é parte de um repertório discursivo que visa deslegitimar conquistas trabalhistas, associando-as imediatamente a um suposto descontrole fiscal irresponsável. No entanto, esta crítica é seletiva:

  • O próprio relator da PEC afirma que "não há qualquer ônus para os entes federativos. Nenhum prefeito e governador pagará nada, estará tudo arcado pela União".
  • Embora haja divergências sobre o impacto – com estimativas variando de R$ 5,5 bilhões (segundo o relator) a R$ 21,2 bilhões (segundo a CNM) – a mesma imprensa que ataca esta PEC costuma silenciar ou suavizar o impacto fiscal de benesses a setores empresariais e financeiros, como desonerações tributárias e subsídios.

Padrão de "canalhice": outros exemplos de criminalização de direitos

Este não é um caso isolado. O "conglomerado de imprensa" brasileiro mantém um histórico de posicionamento contrário a avanços sociais para trabalhadores:

  1. Reformas Previdenciárias: Apoio incondicional à Emenda Constitucional 103/2019, que elevou a idade mínima para aposentadoria de todos os trabalhadores, ignorando as particularidades de categorias expostas a desgaste intenso, como os próprios agentes de saúde.
  2. Incentivo à Precariedade: A cobertura midiática frequentemente trata a flexibilização de direitos trabalhistas como "modernização" necessária, sem aprofundar os impactos na vida dos trabalhadores, como a propagação de vínculos temporários e terceirizados – justamente o que a PEC 14/21 busca combater.
  3. Narrativa da "Meritocracia" no Serviço Público: Promoção de um discurso que associa o funcionalismo público a privilégios e improdutividade, criando um clima de opinião pública favorável a propostas que desestruturam o serviço público e fragilizam carreiras essenciais, como as da área da saúde.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, resumiu o sentimento que a grande mídia ignora: a aprovação da PEC "mostra o reconhecimento do papel fundamental dos agentes comunitários de saúde e de endemia na saúde pública". Tratar a valorização de quem "anda de casa em casa, debaixo de sol e chuva" como um problema é, no mínimo, uma distorção grave da realidade e uma injustiça com quem sustenta a saúde pública no país. Algo bem diferente do que suscitaram, em suas coberturas, O Globo, CNN, Folha de São Paulo, Jornal A Tarde (BA) e Jornal de Brasília.

Com informações de: Agência Câmara Notícias, Gazeta do Povo, Valor Econômico, Migalhas, Muita Informação, Republicanos10.org.br ■