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Do caso Anielly à agiotagem jornalística no Brasil
Como uma jovem mineira que transformou fofocas em negócio ilegal revela padrões assustadoramente similares aos de jornalistas acusados de monetizar informações como forma de extorsão empresarial
Analise
Foto: https://s02.video.glbimg.com/x240/13928393.jpg
■   Bernardo Cahue, 15/09/2025

O caso Anielly como espelho de um fenômeno amplo

A recente prisão de Anielly Mariana Sousa Silva, de 21 anos, em Conceição das Alagoas (MG), por usar redes sociais para extorquir moradores através da publicação de fofocas, expõe uma prática que vai além do digital: a monetização ilícita da informação como modelo de negócio. A investigação policial revelou que a jovem cobrava para remover publicações sobre supostas traições, dívidas e até maus-tratos em instituições, transformando a extorsão em sua principal fonte de renda entre maio e junho deste ano.

Este caso, no entanto, não é isolado. Ele ecoa estratégias similarmente éticas questionáveis adotadas por alguns profissionais de comunicação no Brasil – prática que ficou conhecida como "agiotagem jornalística" – onde jornalistas supostamente cobram para não publicar notas negativas ou criam factóides para prejudicar concorrentes de seus patrocinadores.

O modus operandi de Anielly: a extorsão sistematizada

Estratégia e Monetização
  • Publicação targeting: Anielly segmentava suas vítimas em temas sensíveis como traições conjugais, dívidas não quitadas e acusações contra instituições.
  • Negociação personalizada: Como relatou o delegado Bruno Vinícius, "Ela não tinha critério para os valores, ela negociava com as vítimas. O que ela queria era dinheiro". Valores variavam entre R$ 200 e R$ 500 por publicação.
  • Engajamento como moeda: A mudança para Uberaba ampliou seu alcance, aumentando o poder de barganha através do crescimento do número de seguidores.
Impacto Social e Psicológico
  • Danos emocionais: Uma vítima teve seu tratamento psicológico prejudicado após ser exposta na página, agravando seu estado emocional já fragilizado pela perda do companheiro.
  • Violência real: Anielly foi agredida por moradores e precisou deixar sua cidade natal devido às ameaças, mostrando como a violência digital transborda para o físico.

Agiotagem jornalística: quando a notícia vira moeda de extorsão

Paralelos Comprovados

A "agiotagem jornalística" opera sob lógica similar ao caso Anielly, porém com maior sofisticação e sob o manto de legitimidade profissional:

  • Jornalistas como Cláudio Humberto, Lauro Jardim, Arnaldo Jabour, William Waack, Alberico Souza Cruz e Andreia Sadi foram citados em diversos veículos por omitir notas negativas ou criar narrativas encomendadas contra concorrentes de empresas patrocinadoras ou fora da preferência de seus veículos - alguns destes, inclusive, investigados por supostos (ou provados) recebimento de propina.
  • Factóides como arma: Assim como Anielly criava fofocas para gerar conteúdo extorsivo, jornalistas são acusados de fabricar ou distorcer notícias para prejudicar concorrentes de seus financiadores.
  • Monetização da influência: Ambos os casos mostram conversão de poder informacional em ganho financeiro ilícito, seja através de propina direta ou de extorsão velada.

Diferenças Fundamentais

  • Escala e impacto: Enquanto Anielly operava localmente, jornalistas com grande alcance nacional podem afetar mercados inteiros e reputações consolidadas.
  • Aparência de legitimidade: Jornalistas operam sob véu de credibilidade profissional, dando à extorsão um caráter mais insidioso e difícil de detectar.
  • Complexidade legal: Casos de agiotagem jornalística frequentemente envolvem transgressões legais mais complexas de provar, incluindo lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Análise Jurídica: As Intersecções Legais

Tanto o caso Anielly quanto a agiotagem jornalística podem se enquadrar em múltiplos tipos penais:

  • Extorsão (art. 158 do Código Penal): Obtenção de vantagem indevida mediante ameaça.
  • Crime contra honra (calúnia, difamação, injúria - arts. 138, 139, 140 CP): Como os dez BOs contra Anielly comprovam.
  • Crime contra economia popular (Lei 1.521/51): Aplicável tanto a agiotas financeiros quanto à distorção informacional com fins extorsivos.
  • Lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98): Especialmente relevante nos casos de agiotagem jornalística de maior escala.

Consequências Sociais e para o Jornalismo

Erosão da Confiança
  • No caso Anielly: Danos à coesão social em comunidades pequenas, onde a confiança interpessoal é essencial.
  • Na agiotagem jornalística: Corrosão da credibilidade da imprensa, essential para democracia.
Normalização da Extorsão
  • Ambos os casos contribuem para normalizar a monetização ilícita da informação como estratégia válida, seja em escala local ou nacional.

Padrões que se repetem do digital ao profissional

O caso Anielly ilustra como a economia da desinformação pode se tornar rentável em qualquer escala. Sua operação rudimentar mas eficaz espelha, em microcosmo, dinâmicas mais amplas de corrupção midiática que continuam a desafiar a responsabilização no jornalismo brasileiro.

Assim como a polícia mineira precisou de 50 dias de investigação e análise de mais de 12 mil páginas de conteúdo digital para prender Anielly, a investigação de casos de agiotagem jornalística requer recursos significativos e enfrenta a complexidade de provas muitas vezes circunstanciais ou protegidas por sigilos.

A lição que fica é que a monetização ilícita da informação, seja através de fofocas digitais ou de jornalismo corrupto, representa grave ameaça à integridade social e democrática – e exige respostas legais e institucionais proporcionais à sua gravidade.

Com informações de: G1 MG, G1 CE, G1 SP, JusBrasil, Folha de S.Paulo, Estado de Minas. ■