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Uma narrativa recorrente na grande imprensa e entre analistas econômicos conservadores tem apontado um suposto "rombo recorde" nas estatais durante o governo Lula, utilizando dados divulgados pelo Banco Central que mostram déficits bilionários. No entanto, uma análise mais aprofundada dos critérios metodológicos e do contexto completo das contas públicas revela um quadro consideravelmente mais complexo e menos alarmista do que o propagado.
Os números do Banco Central, amplamente divulgados, indicam que as estatais federais registraram um déficit de R$ 5,52 bilhões de janeiro a julho de 2025, o maior da série histórica para esse perÃodo. No acumulado de 2024, o rombo teria sido de R$ 6,7 bilhões, enquanto de janeiro a abril de 2025, o valor chegou a R$ 2,73 bilhões. Superficialmente, esses números parecem alarmantes, mas é essencial entender o que eles realmente significam.
O primeiro ponto crucial é a metodologia utilizada pelo Banco Central, que segue o critério de "necessidade de financiamento" do setor público. Esta abordagem contábil, conhecida como "abaixo da linha", basicamente compara o nÃvel de endividamento entre perÃodos, sem diferenciar despesas correntes de investimentos. Como explicou Renato Baldini, chefe-adjunto do Departamento de EstatÃsticas do Banco Central: "O governo registra receitas e despesas, detalhando aspectos como investimentos, o Banco Central foca apenas na variação da dÃvida".
Esta metodologia apresenta distorções significativas:
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, responsável pela administração das estatais, contesta frontalmente a metodologia do BC. A pasta alega que os dados "não refletem a real situação financeira das estatais, pois não detalham receitas, custos, ativos, passivos e lucro lÃquido".
Um dos aspectos mais problemáticos na divulgação midiática do "rombo" é a exclusão seletiva de estatais lucrativas nos cálculos do Banco Central. São deliberadamente deixadas de fora das estatÃsticas:
Esta exclusão é particularmente reveladora quando comparamos com a narrativa que contrapõe os governos Bolsonaro e Lula. Em 2021, no governo Bolsonaro, foi amplamente divulgado um lucro recorde das estatais federais de R$ 187,7 bilhões. O que não foi igualmente destacado é que este valor era composto 98% por apenas cinco empresas: Petrobras, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Eletrobras.
Já os dados deficitários do governo Lula, amplamente divulgados, não incluem essas mesmas empresas, criando uma comparação enviesada e desleal. Como observou o professor Paulo Feldmann, da FEA-USP: "A comparação não é válida porque uma gestão que quer privatizar vai fazer com que as empresas lucrem e se tornem mais atrativas para venda".
Curiosamente, quando consideramos todas as estatais federais, incluindo as excluÃdas pelo BC, o resultado lÃquido de 2023 (último dado completo disponÃvel) foi de R$ 197,9 bilhões, valor superior aos R$ 187,7 bilhões de 2021 no governo Bolsonaro.
O governo argumenta que parte substantiva dos déficits reportados pelo BC explica-se pelo fato de que muitas estatais receberam aportes do Tesouro Nacional entre 2018 e 2019 (governos Temer e Bolsonaro) para realizar investimentos nos exercÃcios seguintes. No ano do recebimento desses recursos, o resultado primário tende a melhorar substancialmente, mas como os projetos de investimento são de longo prazo, eles se distribuem ao longo dos anos subsequentes, gerando déficits sucessivos até a conclusão do projeto.
Além disso, o Ministério da Gestão ressalta que: "Os déficits das empresas estatais federais não dependentes são cobertos pelos caixas das próprias empresas, carregados em anos anteriores, e não representam qualquer necessidade de recursos do Tesouro Nacional".
Muitas estatais prestam serviços essenciais e geram impactos sociais positivos que não são capturados pela contabilidade tradicional. Dois exemplos notáveis:
É significativo notar que, mesmo com os supostos "déficits", o setor público registrou um superávit primário de R$ 14,1 bilhões em abril de 2025, demonstrando que a situação fiscal geral não é tão crÃtica quanto sugerido pela narrativa do "rombo das estatais".
O debate sobre as estatais frequentemente ignora seu caráter estratégico e função social. Como observou Eduardo Araújo de Souza: "O Estado tem a sua finalidade originária de assegurar a estabilidade social, mantendo o equilÃbrio financeiro e fiscal com a finalidade da gestão pública de atender à s necessidades da população em busca da justiça social".
Em vez de focar exclusivamente em métricas financeiras de curto prazo, especialistas sugerem que a avaliação das estatais deveria considerar:
A análise dos dados disponÃveis revela que a narrativa do "rombo das estatais" é, em grande medida, construÃda através de escolhas metodológicas questionáveis e exclusões convenientes de empresas lucrativas do cálculo. Embora existam desafios reais de gestão em algumas estatais - como Correios e Infraero - o quadro geral é consideravelmente infinitamente menos alarmante do que o propagado por setores da mÃdia e analistas econômicos conservadores.
Como em qualquer debate complexo sobre polÃticas públicas, é essencial ir além das manchetes simplificadas e examinar as premissas, metodologias e contextos por trás dos números. Somente assim podemos ter uma discussão honesta e produtiva sobre o papel das estatais no desenvolvimento nacional e a melhor forma de avaliar seu desempenho.
Com informações de: Revista Oeste, FGV, O Globo, Veja, G1, Estadão, Poder360, Brasil de Fato. ■