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CIPS parece alternativa para o BRICS
Atualização de sistema de compensação financeira chinês foi testada e aprovada, e bloco está passos largos em direção à desdolarização
Economia
Foto: https://img.yicaiglobal.com/src/image/2023/11/38432286642885.jpg
■   Bernardo Cahue, 10/07/2025
O sistema financeiro internacional vive uma transformação tectônica, impulsionada pela ascensão de potências emergentes e pela busca de alternativas à hegemonia do dólar. No centro dessa mudança está a China, com seu Cross-Border Interbank Payment System (CIPS), e o bloco dos BRICS, que na recente cúpula do Rio de Janeiro (julho de 2025) avançou na criação de um sistema de pagamentos transfronteiriços independente. O paralelo entre essas iniciativas revela uma estratégia coordenada de desdolarização, mas também expõe tensões e desafios estruturais.

O CIPS: A Espinha Dorsal da Internacionalização do Yuan
Lançado em 2015 pelo Banco Popular da China (PBOC), o CIPS surgiu como um mecanismo de liquidação direta de transações em yuan (RMB), reduzindo a dependência de intermediários como o SWIFT. Diferentemente deste último — que opera apenas como rede de mensagens —, o CIPS integra clearing e liquidação em tempo real, cortando custos e acelerando transações. Com 1.629 participantes (168 diretos e 1.461 indiretos) em 119 países, o sistema processou 175 trilhões de yuans em 2024, um salto de 43% ante 2023.

A inovação decisiva veio em 2025, com o CIPS 2.0, integrado ao yuan digital (e-CNY). Transações entre Shenzhen e Kuala Lumpur, por exemplo, são liquidadas em 7,2 segundos, ante 1–3 dias do SWIFT. As taxas despencaram de 4,95% para cerca de US$ 0,12 por operação de US$ 100 mil. O segredo está na tecnologia blockchain e em contratos inteligentes, que eliminam correspondentes bancários e garantem segurança via inteligência artificial.

BRICS: Desdolarização Sim, Moeda Comum Talvez
Na cúpula do Rio, os BRICS (agora com 11 membros, incluindo Egito e Emirados Árabes) priorizaram a Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços, um sistema alternativo ao SWIFT com base em blockchain. O objetivo declarado é garantir transações "independentes e despolitizadas", reduzindo a vulnerabilidade a sanções ocidentais. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, será o incubador técnico do projeto, com garantias multilaterais para mitigar riscos.

A proposta russa, apresentada por Putin via videoconferência, defende uma plataforma com tokens lastreados em moedas nacionais, evitando o dólar. No entanto, a ideia de uma moeda comum do BRICS — semelhante ao euro — foi relegada a segundo plano. Putin foi enfático: "A globalização liberal se esgotou", mas a solução está nos "mercados emergentes", não em uma unificação monetária imediata.

CIPS vs. SWIFT: Velocidade, Custo e Soberania
A comparação técnica entre os sistemas é reveladora:
  • Velocidade: Enquanto o SWIFT depende de corresponsais e liquidações em cadeia (1–3 dias), o CIPS 2.0 opera 24/7 com liquidação em segundos graças ao e-CNY.
  • Custos: O SWIFT cobra até 4,95% por transação internacional; o CIPS reduz isso a custos simbólicos.
  • Governança: O SWIFT segue normas ocidentais; o CIPS é controlado pelo PBOC, blindando a China de sanções.
O sistema chinês, porém, não é totalmente autônomo: ainda usa a rede SWIFT para comunicação com bancos indiretos. Isso explica por que os BRICS buscam um modelo 100% independente, com tecnologia de ledger distribuído (DLT), onde transações são registradas em múltiplos nós, sem controle central.

O Paradoxo Chinês: Âncora do RMB, Resistência à Moeda BRICS
Aqui reside a tensão estratégica: a China apoia a desdolarização via BRICS, mas não abrirá mão do yuan como eixo. O CIPS é um instrumento de poder geoeconômico: 16 países asiáticos e do Oriente Médio já adotaram o sistema para comércio bilateral, acelerando a internacionalização do RMB — hoje 4,7% das transações globais, ante 49,1% do dólar.

Uma moeda comum do BRICS, como proposta inicialmente pelo Brasil, exigiria a cessão de soberania monetária — algo inaceitável para Pequim, que busca ampliar, não diluir, a influência do yuan. A saída é o pragmatismo: o projeto dos BRICS usará moedas locais interoperáveis, com o NDB fornecendo liquidação multilateral. É um passo além do CIPS, mas sem ameaçar a primazia chinesa.

Conclusão: Fragmentação Ordenada ou Nova Hierarquia?
A ascensão do CIPS e a iniciativa dos BRICS sinalizam a fragmentação do sistema financeiro em blocos concorrentes. Para exportadores de commodities (Brasil, África do Sul), reduzir custos em dólares é vital; para China e Rússia, trata-se de soberania contra sanções. O risco é a formação de "ilhas financeiras" desconectadas.

O sucesso dependerá de escala: o SWIFT ainda domina 200 países, enquanto o CIPS e o futuro sistema dos BRICS são regionais. Mas a eficiência técnica do yuan digital e o peso comercial da China sugerem que, com ou sem moeda comum, o eixo RMB-CIPS será um pilar irreversível da nova geografia financeira global.

*Statrys, BDF, Walcybank, CNN-ES, USP.■