Em resposta a taxação de 50% sobre exportações brasileiras, governo brasileiro aponta "ingerência" de Trump e ameaça retaliar com medidas que podem abalar relações bilaterais e setores estratégicos
Economia
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■ Bernardo Cahue, 09/07/2025
A imposição unilateral de uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos, anunciada por Donald Trump em 9 de julho de 2025, transcende uma mera disputa comercial. Revela uma estratégia de controle geopolÃtico destinada a punir o Brasil por sua liderança no BRICS e por desafiar a hegemonia dólar. Na carta publicada no Truth Social, Trump vinculou explicitamente a medida ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF, classificando-o como "vergonha internacional" e "caça à s bruxas", e a supostas práticas de censura contra big techs americanas. Essa narrativa, porém, esconde o verdadeiro motivo: a reunião do BRICS no Rio dias antes, onde Lula criticou as "polÃticas unilaterais" (leia-se: EUA) e defendeu a desdolarização do comércio global. O tom ameaçador de Trump — "se o Brasil retaliar, aumentaremos ainda mais as tarifas" — é um ultimato para que o paÃs se alinhe aos interesses americanos ou enfrente asfixia econômica.
A retaliação contra o BRICS não é incidental. Trump já havia ameaçado taxar em 10% os paÃses do bloco por "polÃticas antiamericanas", mas a tarifa de 50% ao Brasil foi a mais alta dentre 21 nações penalizadas, incluindo membros do grupo como Rússia e Ãfrica do Sul. O ataque seletivo expõe o nervo sensÃvel: o Brasil, sob Lula, tornou-se o articulador de um contraponto ao poderio ocidental. A declaração final da cúpula do BRICS, assinada por 11 nações, condenou "tarifas que distorcem o comércio" e defendeu alternativas ao dólar — um desafio direto ao cerne do poder financeiro dos EUA. Trump respondeu com o que sabe fazer: coação econômica como arma de guerra polÃtica. Diplomatas brasileiros em Washington relataram "atonia" com a medida, reconhecendo que a motivação foi claramente polÃtica, não comercial, dado o superávit americano de US$ 410 bilhões com o Brasil em 15 anos.
O pânico com a desdolarização é o motor invisÃvel da crise. Ao propor moedas locais para transações entre o BRICS, Lula tocou no alicerce do poder global dos EUA: o dólar como ativo incontestável. A tarifa de 50% é uma tentativa desesperada de mostrar que o custo da autonomia será proibitivo. Trump sabe que o Brasil é o elo vulnerável do bloco — nono maior importador dos EUA, mas dependente do mercado americano para produtos como aço e commodities agrÃcolas. Ameaçar "elevar para 100%" em caso de retaliação brasileira visa criar um efeito dominó: se o Brasil recuar, outros membros do BRICS hesitarão. O cálculo é dissuadir pela dor, mas ignora que a medida pode acelerar justamente o que teme: a fuga coletiva do dólar.
A resposta brasileira, no entanto, sinaliza o fim do complexo de vira-lata. Quando Lula declarou que "o Brasil não aceitará ser tutelado por ninguém" e invocou a Lei da Reciprocidade Econômica (Lei 15.122/2025), que autoriza retaliações simétricas, ele não apenas reagiu a Trump, mas enterrou uma lógica colonial. O termo "vira-lata", cunhado por Nelson Rodrigues nos anos 1950 para descrever a autoimagem de inferioridade do brasileiro, foi ironicamente ressignificado pela primeira-dama Janja. Ao ouvir jornalistas perguntarem sobre as tarifas, ela cutucou: "Ai, cadê meus vira-latas?". A piada é um manifesto: não há espaço para submissão em um paÃs que contesta narrativas. A lei de reciprocidade, aprovada em abril como escudo antecipado contra Trump, permite ao Brasil taxar setores estratégicos dos EUA (como soja e aviação), suspender acordos e até bloquear royalties de patentes. É a soberania como dogma, não como gesto retórico.
A crise, assim, é um divisor de águas na relação Brasil-EUA. Trump escolheu o lado errado para atacar: ao misturar defesa de Bolsonaro com retaliação comercial, deu a Lula um trunfo geopolÃtico. Como analisou a revista Veja, "Trump deu um presente eleitoral para Lula" ao expor que sua luta é pela dominação, não pela justiça. O Brasil, que por décadas alternou entre o alinhamento automático e o vira-latismo, agora opera com pragmatismo destemido. Se a tarifa de 50% é um revólver apontado para a economia, a resposta brasileira — entre a lei da reciprocidade e a aceleração de parcerias com China e BRICS — é a prova de que o paÃs finalmente entendeu: não há dignidade na obediência. O desafio, agora, é transformar a coragem em estratégia vencedora. Como escreveu Nelson Rodrigues, o brasileiro só é inferior quando se ajoelha. Desta vez, ele está de pé.
Com informações de O Globo, Veja e Wikipedia.■